Eu queria escrever uma História de Natal como eram todas as histórias de Natal da minha infância. Daquelas que acabam com os ebenezers scrooges desta vida atarantados, cheios de medo e convertidos à solidariedade humana.
É preciso dizer que a minha infância durou até tarde, até pr' aí aos cinquenta anos. E só então me dei conta que a parte fantasiosa do Conto de Natal de Dickens, não eram as aparições dos Natais Passado, Presente e Futuro, era mesmo a conversão do Scrooge em ser humano de bons sentimentos e bom coração. Já não se fazem scrooges como o da história. Os scrooges de hoje entram-nos casa dentro com ar compungido dizendo que o Natal tem de ser duro porque andámos a celebrar natais à grande; os scrooges actuais não aumentam o ordenado como no conto,dizem antes que os portugueses têm de trabalhar mais horas e retiram-lhe parte do salário.
Neste Natal multiplicar-se-ão os Bob Cratchit (o rapaz da história de Dickens), só que em negativo: em vez de terem um Natal melhorado, tê-lo-ão abaixo das suas expectativas. Os pais vão avisando, Este ano é só um brinquedo pequenino, mas invariavelmente a esperança de ver o presente almejado só morrerá à meia-noite de 24 de Dezembro, ou no dia 25 de manhã. Enquanto a desolação se dever à diminuta dimensão do brinquedo, não será assim tão mau. O pior será o comer da ceia de Natal, condimentado com as lágrimas dos pais, porque no resto do ano, a labuta para pôr o pão na mesa afigura-se inglória.
A minha História de Natal preferida não é a de Dickens, é a de um Menino que nasceu sem nada, se fez à vida e se fez Homem, e que bem ou mal se tornou símbolo de uma grande parte da humanidade. Não consta que, nos seus 33 anos de vida, alguma vez tenha celebrado o Natal, mas compartiu o pão e o vinho, multiplicou os peixes e tornou-os alimento do espírito; não há mesmo relatos de que tenha celebrado o dia de anos, mas histórias existem de que protegeu os fracos e indefesos e acusou os poderosos.
Esta é a História que me dá ânimo, dizendo-me que se procedermos como o Menino, os natais futuros serão bem melhores sem ser necessária a caridade dos ebenezers scrooges.
Eu queria contar uma História de Natal, mas a original é a melhor de todas. Tudo isto é inventado, e do domínio da crença. Pode ser, mas terminada a minha ingenuidade da infância, deixem-me prolongar a da adolescência.
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