03 junho 2011

Pode o Dr. Passos Coelho ser Primeiro-Ministro?

Ouvimos nos últimos tempos dos mais considerados comentadores económicos, e secundados pelo senso comum, que um país se gere como uma empresa. Não gere, e a prova é a possível eleição do Dr. Passos Coelho para Primeiro-Ministro. Não se tome esta afirmação/conclusão com sentido depreciativo, mas não estou a ver qualquer accionista a escolher um administrador como o Dr. Passos Coelho para a sua empresa que não fosse por favor, e não se trata de pôr em causa a competência mas o curriculum.

Um país tem de ter finanças e economia saudáveis como qualquer empresa é certo, mas entre os dois mundos existe uma diferença substancial: a democracia. As empresas não são instituições democráticas: nas empresas não são os trabalhadores a escolher os gestores, no país são os eleitores; nas empresas despedem-se trabalhadores, no país não se despedem os cidadãos (embora alguns sejam menos cuidados); as empresas são valorizadas por terem preocupações sociais, os países ao tê-las apenas cumprem a sua obrigação; nas empresas os gestores são apoiados pelos accionistas, no país os governos são apoiados pela comunicação social (foi inequívoco o apoio maciço desta ao Dr. Passos Coelho, talvez até numa subconsciente vingança contra o Eng.º Sócrates); no país, os Primeiros-Ministros ficam para a História (por boas ou más razões), nas empresas, os gestores raramente são lembrados e muitas vezes até apagada a sua memória.

E esta diferença, a democracia, o voto, que os “económicos” esqueceram, é aquela que permite que o Dr. Passos Coelho venha a ser Primeiro-Ministro de Portugal, não a sua capacidade de gerir as contas do país e de relançar a economia.

Pede-se pois ao Presidente do PSD que tenha um conhecimento e uma visão muito mais larga do que a mera gestão económico-financeira. Dirão que Passos Coelho está manietado pelo contrato com a troika. Facto ineludível, mas terá a oportunidade de mostrar os seus dotes de político imediatamente após o conhecimento do resultado das eleições, no modo em como for capaz de distender e aliviar tensões sociais e partidárias, porque quer queiramos, quer não, o país ficará dividido quase ao meio e não podemos esquecer que muito do eleitorado flutuante que agora vota PSD quando perder o seu poder de compra, os seus benefícios, o seu emprego não terá o menor pejo em lhe chamar mentiroso.

Uma maioria no Parlamento não é o factor exclusivo de sucesso no plano de recuperação do país (temos os exemplos da Grécia, Irlanda). É necessário um comprometimento da sociedade, independentemente dos partidos, nesse desiderato nacional. O Dr. Passos Coelho, caso venha a ser Primeiro-Ministro, pode governar contra a esquerda parlamentar, não pode governar contra metade do povo português. Foi este o erro do Eng.º Sócrates (que, quanto a mim não foi tão mau PM quanto pintam, o futuro fará justiça): confundiu o povo que não vota fielmente no PS com os partidos que não são o PS e ao confrontar-se de um modo crispado, principalmente com o PSD, afrontou esta parte do eleitorado que tomou como suas as animosidades entre ele e o Dr. Passos Coelho.

A Democracia permite ao Dr. Passos Coelho ser Primeiro-Ministro? Sim.
A Política permite ao Dr. Passos Coelho ser Primeiro-Ministro/CEO de Portugal? Não.

02 junho 2011

REINVENTAR O JOGO DA MALHA

O jogo da malha, do fito ou chinquilho é um jogo tradicional português. Tipicamente português, digo eu.

O terreno de jogo pode ser qualquer, não precisa ser plano e até se pode jogar em terrenos inclinados; podem improvisar-se os instrumentos do jogo arranjando dois paus (pinos - mecos, como se diz na minha terra) que se sustentem na vertical e duas pedras achatadas (malhas); e, fundamental, as regras são simples: derrubar o pino, 4 pontos, malha mais próxima 2 pontos, ganha o primeiro jogador,ou equipa, a somar 45 pontos. Além de tudo isto pode ganhar sem atingir um dos objectivos que exige o máximo rigor e precisão.

Daqui se depreende que é um jogo que pode ser improvisado (já o joguei às escuras)e que pode ser ganho sem uma única vez se obter a marca máxima, 4 pontos por derrube do meco. Basta pontuar por aproximação (do meco). E é isto que o torna tipicamente português: improvisamos e ficamos satisfeitos pela aproximação ao objectivo.

Os nórdicos que têm um jogo semelhante, o mais chato que se conhece, o curling, jogado com uma "espécie de panelas" e umas vassouras, eliminaram o pino e mantiveram-se apenas pela aproximação de um ponto fixo, sendo possível, propositadamente, afastar a "panela" do adversário (na malha também pode acontecer, mas por mero acaso). Suponho que para um nórdico seria impensável colocar um pino que não fosse forçosamente para derrubar e que nâo fosse esse o êxito do jogo.

Os portugueses estabelecem grandes objectivos, mas depois inventam subterfúgios para vencer o jogo sem executar a tarefa mais desafiadora. Contentam-se com a aproximação, com as notas médias na escola,com os apuramentos à tangente, com segundos lugares, os dez primeiros.

O rigor de todos e da cada um de nós no cumprimento de regras de um outro jogo mais exigente, complexo, preciso e que não admita facilitismos para o vencer, é o remédio para o êxito de Portugal. Para tanto não é preciso passarmos a jogar o bridge ou o whist, basta (e não é pouco) urgentemente reinventar o jogo da malha.

31 maio 2011

ORGULHO EM PORTUGAL, jornal de negócios

O meu contributo para a edição especial de hoje do "Jornal de Negócios" foi:

Orgulho-me da galeria imensa de portugueses, mulheres e homens, que, nas mais diversas áreas, nos últimos cinquenta anos (para não ser passadista), pelo seu saber, competência, acções, exigência, rigor, trabalho, esforço, dedicação contribuíram para o desenvolvimento do mundo e que são internacionalmente reconhecidos; orgulho-me dos portugueses desconhecidos que labutam seria e profissionalmente para a sua nação; orgulho-me do hino e de todas as bandeiras de Portugal.

29 maio 2011

"WILT EM PARTE INCERTA", TOM SHARPE, Teorema


Tom Sharpe é tido como um dos mais sarcásticos escritores ingleses com êxito assinalável nomeadamente na série Wilt.

Wilt é um professor casado com Eva, mulher obesa, e com quatro filhas adolescentes provocadoras. A ficção "Wilt em parte incerta" desenrola-se numa ininterrupta série de mal-entendidos, coincidências e acasos que levam à comicidade das situações. Sharpe não vai além disto (os laivos de crítica social são muito incipientes), mas encontrou a fórmula que pelo menos lhe tem granjeado fama e proveito na série Wilt: enveredou pela caricatura, as personagens são caracterizadas apenas pelos traços risíveis - socialmente rimo-nos dos desadaptados, gordos, dos homossexuais e dos homofóbicos, do sexo "anormal", dos ignorantes - e são estas figuras que ele escolhe para delas nos rirmos.

É muito mais difícil escrever obras cómicas de qualidade do que dramas. A valia deste livro, escrito quase como guião de um filme (talvez seja essa a intenção), é que Sharpe não cai demasiado na vulgaridade, no cliché, na piada óbvia e mantém do princípio ao fim uma constância no que ao cómico, sarcasmo e ironia diz respeito.