18 junho 2011

Bruxas e bruxedos

Era eu um jovem estudante universitário quando travei conhecimento com uma rapariga portuguesa que tinha vivido desde a infância no Brasil onde se iniciara nas artes do vodu, "licenciara-se" em espiritismo, sabia magia branca e feitiçaria.
Decretou ela que eu tinha características de medium e quis-me convencer a ser iniciado. Não conseguiu (suponho que não quis recorrer aos seus poderes de feiticeira). O que conseguiu foi que eu não a largasse enquanto não me arranjou uma entrada para uma sessão de conversa com além.
Foi para os lados do Campo de Santana - onde mais podia ser? perto da estátua do Dr. Sousa Martins e da morgue -, num prédio antigo, casa de tectos altos, corredor e sala alumiados por velas, criada vestida de preto. A medium depois de várias tentativas frustradas disse estarem na sala pessoas que não acreditavam, era melhor que saíssem para os espíritos se sentirem à-vontade. Eu, e o amigo que me tinha acompanhado, num instante nos levantámos e desaparecemos porta fora.
A minha amiga disse-me que aquela era uma falsa medium e que tudo não passava de uma encenação: se alguém saísse, como nós fizemos, os que ficavam eram levados a acreditar ainda mais nos seus poderes; se ninguém saísse, em princípio, o embuste podia prosseguir.
Desconsolado, desapontado, pedi-lhe que me arranjasse uma a sério. Disse-me que não, essas eram mesmo perigosas.

Um dia, despejava-lhe eu uma série de infortúnios que me vinham sucedendo e a pergunta dela foi desconcertante: como estão os aparelhos eléctricos em tua casa?
Sabia lá eu.
Se é bruxedo os aparelhos eléctricos vão-se avariar, as lâmpadas vão fundir, avisou-me ela.

Vocês acreditam numa coisa destas? Eu também não.

Só que daí para cá, quando funde uma lâmpada ou há uma avaria eléctrica tomo atenção à repetição do fenómeno. E não é que bate certo.

Nestas duas semanas, o ipad, que é novo, não carrega a bateria, fundiram-se quatro lâmpadas, as teclas do um e do três (tenho de escrever por extenso) do computador não funcionam, a máquina de lavar-roupa deixou de fazer programa de água quente. Juro que é verdade.

Há muito que procuro a solução, mas a minha amiga há muito que regressou ao Brasil...talvez montada numa vassoura.

17 junho 2011

Onze Ministros

Acertei. Conforme eu tinha aqui apostado no texto de 8 de Junho, "O número de Ministérios", o novo Governo tem onze Ministros.

Eu corrijo, eu disse Ministérios e não Ministros.


Primeiro Ministro - Pedro Passos Coelho

Ministro Negócios Estrangeiros - Paulo Portas

Ministro das Finanças - Vítor Gaspar

Ministro da Economia - Álvaro Santos Pereira

Ministro da Educação - Nuno Crato

Ministro da Saúde - Paulo Macedo

Ministro da Segurança Social - Pedro Mota Soares

Ministro da Agricultura, Ambiente e Território - Assunção Cristas

Ministro da Defesa - Aguiar Branco

Ministro da Justiça - Paula Teixeira da Cruz

Ministro da Administração Interna - Miguel Macedo

Ministro dos Assuntos Parlamentares - Miguel Relvas

Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros - Marques Guedes

Secretário de Estado adjunto do PM - Carlos Moedas

"A aldeia das mulheres", de Manuel António Araújo

No Ípsilon de hoje há uma entrevista com Manuel António Araújo, transmontano, professor de literatura e teatro, em Chaves, sobre o seu livro "A aldeia das mulheres" em que aborda o sexo e a vida sexual numa aldeia imaginária, Pousos (supõe-se que em Trás-os-Montes), em meados do séc.XX.

Estou curiosíssimo de ler este livro e comparar a vivência de Manuel António Araújo com a minha e que serviu de base ao meu romance "O Homem que Viveu Duas Vezes".

Muitos sucessos ao autor.

I - O Socialismo Democrático está moribundo. Será verdade?

1- Nos últimos trinta anos tenho sido intermitentemente assaltado por alguma angústia derivada a factores exógenos, mas que me despoletam este estado de alma. E isto porque sempre que um qualquer Partido Socialista perde eleições, e particularmente em Portugal, aí estão elas, levantam-se as vozes a decretar o fim, a agonia, a extinção, a encruzilhada, os impasses, as refundações, os repensamentos da esquerda e da Filosofia Socialista. Ao contrário, sempre que a direita perde, perde acabou-se, para a próxima ganha.
Percebe -se a minha angústia: a morte do sistema sócio-político no qual me revejo significa a minha orfandade ideológica.

Vasco Pulido Valente nos primórdios da Quadratura do Círculo, na TSF, atirava-se a José Magalhães, ainda do PC, dizendo que não havia nenhum país do Mundo onde o modelo engeliano/marxista funcionasse; depois de 5 de Junho escreveu o mesmo sobre o socialismo democrático: acabou-se. Esquece-se de dizer que o sistema liberal ou neoliberal também não funciona em local nenhum do Mundo.

Francis Fukuyama que decretou o fim da História (de um modo simplista, significa o fim das ideológicas), porque o capitalismo tinha triunfado, passados uns anos "pediu desculpa" porque se tinha enganado. Nunca me atraíram os pensamentos de Fukuyama, mas quem se retrata desta maneira merece toda a simpatia e credibilidade intelectual.

2 - Então, andamos na Terra a fazer o quê? A inventar modelos fantásticos que não têm aplicação prática?

Todos os modelos de sociedade têm uma base filosófica, nascem da Filosofia e não da Economia. A Filosofia não busca soluções e certezas, busca o esclarecimento e a clarividência;a
Filosofia só tem vida, só progride na dúvida, nunca na certeza. A Economia Política (o modelo
económico)só comprova quantas mais certezas tem (quantas mais vezes acerta).

Numa frase, e para a prossecução do raciocínio: o Socialismo Democrático e a Social-democracia, que muitas vezes significam o mesmo, consideram o indivíduo imbuído e instituído de um amplo leque de liberdades como um contribuinte (má palavra esta, brrr) para o colectivo; o liberalismo considera o colectivo como o contribuinte do desenvolvimento (sobretudo económico)do indivíduo.
Não consigo ver, nem quem tenha visto, a morte de qualquer destas premissas filosófico-ideológicas destes dois modelos, porque não são as falhas dos modelos económicos que levam à renegação da filosofia/ideologia que lhe subjazem.

As ideologias totalitárias não são admissíveis porque têm modelos económicos iníquos, mas porque pretendem a anulação do individuo desprovendo-o das suas liberdades.

Mas se nenhum dos modelos de sociedade tem aplicação prática na sua plenitude, devemos aderir a um ou a outro por exclusivo fervor clubista?

Talvez não. Se pensarmos, os valores Éticos e Morais da sociedade no que respeita aos direitos e liberdades dos indivíduos têm (através da Filosofia) vindo a ser apurados e a serem transpostos para a realidade através de actos de discriminação positiva, legislação, assumpção de valores, e muitos deles são já naturalmente aceites. Mais que não fosse, a dignidade humana e a sua defesa são motivo suficiente para que gastemos algum tempo a pensar bem que tipo de sociedade pretendemos construir e legar a gerações futuras.
(Nota: diz-se com ironia (ou, talvez, não) que os liberais aceitam a igualdade económica e social das mulheres porque assim se alarga o número de agentes do mercado).

Mas o respeito pelo indivíduo não é também apanágio dos liberais e dos democratas-cristãos?
É. E a Democracia-Cristã até mais do que o liberalismo. Quando Paulo Portas disse que em determinados aspectos estava à esquerda do PSD das duas uma: ou foi oportunismo político, ou sabia do que estava a falar.

Então, o porquê da opção pelo Socialismo Democrático, ou Social-Democracia:

a) Parte de indivíduo para o colectivo, nunca o colectivo podendo viver sem que na sua base estejam todos os indivíduos;

b) A Ética e a Moral, com a sua tradução prática nas liberdades, nos direitos e nos deveres do indivíduo são a base do pensamento filosófico-ideológico. O Estado é o garante e não o impositor dessas liberdades, a Lei e a Ordem são um meio e não um fim.

c) A Política condiciona a Economia, não o contrário;

d) O Estado não é a Política, é um dos instrumentos desta.

Poderá alguém, alguma vez, decretar a falência destas ideias baseado apenas em derrotas eleitorais? Parece-me bem que não. Pronto, já me passou a angústia.

(continua: "II - É viável o Socialismo Democrático com o PS?")

(Nota: Para eventuais comentários, sempre bem-vindos: este texto não é exaustivo. Em blogs não se pretendem fazer tratados de Filosofia, Política ou Economia)

15 junho 2011

"As Aventuras de Augie March", Saul Bellow, Quetzal


Augie March é um anti-herói que vive em Chicago os anos da Depressão norte-americana. É um anti-herói porque não se inibe de recorrer aos subterfúgios, às artimanhas e até à criminalidade para trepar na vida. Mas é um anti-herói porque também não faz da ascensão social uma obsessão e parece estar-se perfeitamente nas tintas para o "sonho americano". Além disso, Augie March não pertence àquelas famílias de outros romances de outros autores que caídas na miséria extrema percorrem os EUA em busca de trabalho em condições abaixo de cão; ele não vive essas dificuldades, andando sempre com dinheiro no bolso à custa da avó, do irmão, dos amigos,mulheres ricas, dos crimes que ele desvaloriza porque não os considera graves já que não pretende deles fazer a sua forma de vida, são antes uma "ajuda" em determinados momentos da vida.

"As Aventuras de Augie March", publicado em 1953, relata a história de Augie com um pormenor quase exasperante que ainda não chegamos a meio do romance e já nos parece que vivemos paredes meias com ele com uma intimidade familiar.

Saul Bellow, Prémio Nobel 1976,demonstra uma enorme capacidade/facilidade narrativa e discursiva transformando factos e acontecimentos banais no enredo de uma história ziguezagueante da qual nunca se vê (nunca se espera) o fim; o autor discorre ao longo do romance como que de improviso, como se de um filme se tratasse sem que as imagens tivessem sido editadas, as historias surgem umas a seguir (em cima) das outras, ziguezagueando o escritor/(anti-)herói/leitor através delas.

A obra é demasiado extensa dando a sensação que o próprio autor se deixou levar por Augie descrevendo situações de grande semelhança (não é assim a vida das pessoas?)que dão uma ideia de repetição ao longo da história de Augie March.

A ler, se possível em inglês, porque a recente tradução de Salvato Telles de Menezes indicia que Saul Bellow não se deixou levar por Augie March, mas pela escrita e pela língua inglesa.

14 junho 2011

O brilho do liberalismo (ou do neoliberalismo)

Noticiava o Expresso que no MBA da Kellogg School of Management em Chicago (onde mais poderia ser?)os alunos têm 3000 créditos anuais para (comprar) assistir às aulas e gastam-nos num sistema de leilão frequentando as dos professores mais valiosos num sistema.

A notícia aparece numa rubrica ligeira, o EM OFF, porque à primeira vista parece uma bizarria e não é imaginável numa Universidade portuguesa ou mesmo europeia, mas este facto é a revelação da filosofia liberal e/ou neoliberal em estado quase puro. Quase, porque para nos aproximarmos ainda mais da pureza do neoliberalismo deveria ser permitido aos alunos transaccionarem livremente entre si os ditos créditos estabelecendo a cada momento o preço achado mais justo. Os alunos com maior poder de compra criariam aos outros uma barreira à entrada (neste caso na sala de aula)e esta diferença de poder de compra não seria encarada como uma desigualdade social, mas como uma vantagem competitiva.

Dir-se-á que só vende os créditos quem quer. Não é certo. Os liberais, partidários da mais livre concorrência sem entraves, impõem uma condição à partida para que o sistema funcione: que todos sejam liberais, alinhando na filosofia do mercado livre e do aumento de transacções levado ao extremo, pelo que os alunos mais débeis economicamente não poderiam boicotar o sistema não colocando os créditos no mercado (só o poderiam fazer para os colocarem em ocasião mais oportuna, preços mais elevados). Caso contrário, os liberais chegam mesmo a admitir o recurso à guerra para a abertura de novos mercados (ou defesa dos antigos). A Guerra do Ópio, embora no séc. XIX. é sempre dada como exemplo paradigmático.
Os alunos mais fortes poderiam, então, apelar ao uso da força para impedir a entrada dos outros nas aulas. Só que a guerra é um dos poucos campos que o liberalismo confere ao Estado. Assim, os alunos teriam que recorrer ao exército nacional.

Os alunos que frequentassem as aulas dos professores mais valiosos teriam vantagens competitivas no acesso ao mercado de trabalho, perpetuando as vantagens competitivas iniciais (nas quais pegamos na Universidade, mas que já vinham de trás).

Mas pensemos que o número de lugares disponíveis na sala de aula permitiria, ainda assim, albergar um número significativo de alunos com menor poder de compra e mais desfavorecidos, permitindo-lhes ascender no mercado de trabalho a graus superiores de satisfação e riqueza.
Deixando funcionar a mão invisível do mercado a tendência seria a baixar o custo de transacção dos créditos, pois a oferta seria superior à procura dos alunos mais ricos. E estes sentir-se-iam satisfeitos com a entrada de novos players (é assim que se diz nas aulas de Gestão e que dizem os comentadores televisivos)se o mercado prosseguisse o passo seguinte seria...diminuir o número de vagas.

Esta é uma possibilidade teórica (mas realizável)da filosofia liberal/neoliberal no seu estado quase, quase, quase puro porque ainda se poderia ir mais além introduzindo o factor criminalidade no sistema.

O liberalismo desde a sua génese que tem um problema para resolver (porque se sente publicamente envergonhado): a introdução de uma ética e moral compatíveis com a liberdade dos indivíduos e empresas, nomeadamente na sua condição de agentes do mercado.
Até agora, a filosofia liberal remete a solução para uma auto-regulação dos indivíduos e das empresas

Quanto às empresas, sabemos que são organizações vocacionadas para a obtenção do lucro máximo se possível com um máximo de facilidades. A introdução de uma moral na actuação das empresas tem vindo a ser timidamente instituída. Fingidamente porque as empresas não a assumem com fazendo parte do seu código genético, mas mais uma vez como uma vantagem competitiva aos olhos dos consumidores. Existem fundos cotados nos mercados para empresas com responsabilidade ética, social, laboral, ambiental. Conclusão:a ética e a moral são transaccionáveis e se o são têm um valor, que numa qualquer circunstância, se deixarmos o mercado funcionar, pode ser zero ou muito próximo dele. Se o sistema liberal funcionasse a todo gás deveriam existir também fundos para empresas sem ética nem moral(estou curioso em saber qual dos fundos se valorizava mais).

Quanto aos indivíduos, os liberais modernos baseiam-se numa teoria psicológica de que os seres humanos nascem com os sentimentos (valores) de justiça, solidariedade, bondade que lhe permitem distinguir o bem do mal sem serem ensinados e sem serem castigados, tendo pois preocupações sociais inerentes à sua condição humamna. Suponho que os liberais portugueses (os estrangeiros nem conhecem) nunca devotaram grande atenção ao significado das palavras do Padre Américo: todos os rapazes nascem maus, nós é que temos que os tornar bons.

12 junho 2011

A Livraria Barata

Das 10 consideradas melhores livrarias do mundo só estive em duas: City Lights Books, San Francisco, EUA e Lello, no Porto. Interessante que o critério de escolha se baseia sobretudo no espaço e na arquitectura do edifício. Os livros ficam para segundo plano.

Conhecem a Livraria Barata, a Barata? Na Av. de Roma, em Lisboa. Essa é a minha livraria de eleição: porta estreita, uma montra de cada lado, casa pequenina, com um balcão do lado direito de quem entra, estantes de livros até ao tecto e espaço diminuto para "rectangular" em volta do paralelipípedo central também com livros; lá para dentro, por uma passagem ao fundo uma divisão reservada às pessoas da casa, a funcionar como armazém, escritório e guarda de livros proibidos.

Foi na Livraria Barata que comprei as "Teses e Documentos do Segundo Congresso Republicano de Aveiro". O senhor Barata (já falo do senhor Barata) disse-me julgo que está esgotado, já vou ver, e perante a minha impaciência (um dilatado quarto de hora ou mais)o senhor Barata foi atendendo outros clientes; sem nada dizer, foi lá dentro, trouxe os dois volumes já embrulhados e vendeu-mos.
Acicatado por esta cumplicidade do senhor Barata, um dia (tinha uns dezasseis anos) cheio de coragem, e vermelho que nem um tomate, perguntei-lhe se vendia a Playboy. Resposta: a si, não.

Então, e quem era o senhor Barata? O dono, como se sabe e se depreende. O dono que nunca sorria, a mim nunca sorriu, e quando estive na loja nunca o vi sorrir para ninguém. Eu evitava ser atendido pelo senhor Barata. Na primária, eu tinha-lhe medo, depois, no secundário, achava-o antipático, na faculdade julguei-o magoado. Seria tudo isto, o seu fim trágico terá sido a sua última embirração com o mundo.

Privei mais de perto com o senhor Barata, noutra Livraria Barata - numa em que depois do 25 de Abril, contra a legislação, ele resolveu abrir as portas ao sábado à tarde -, descobri que o senhor Barata era uma pessoa reservada, rosto duro, mas nunca assustador, nem antipático. Magoado talvez. Pelo menos tinha uma mágoa que partilhou comigo, possivelmente em dia de menor ânimo: gostava mais da sua Livraria Barata na loja pequena.

Mesmo depois de abrir a poucos metros uma apinocada, para a época, livraria concorrente (não se pode dizer o nome neste texto), mais ampla onde a rapaziada podia ler à vontade as revistas de automóveis e de rock, e que passou também a ser ponto de paragem obrigatória, nunca a troquei pela Barata.

Para mim a Livraria Barata, a antiga, a de aspecto de alfarrábio, austera, fraca iluminação, a necessidade de uma boa acuidade visual para ler os títulos nas lombadas lá em cima, sem TOP TEN,sem TOP de Vendas, é uma das minhas favoritas.