14 setembro 2012

PASSOS COELHO UNIU OS PORTUGUESES

O Primeiro-Ministro, com o anúncio da austeridade-ideológica de dia 7, em substituição da austeridade-por-necessidade, e com o entrevista de atabalhoamento económico e político dada ontem à RTP1, conseguiu o inimaginável: unir os portugueses contra "eles". Nunca no pós-25 de Abril foi tão notória a linha separadora entre nós, o povo português, e "eles", os governantes dos interesses, dos amiguismos, das negociatas. Dir-se-á que todos os governos cederam a interesses de diverso cariz e concederam ou pagaram os seus favores. Nenhum como este, levava já preparada para a cadeira do poder uma cartilha tão bem estudada e delineada de assalto ao pote.
Somos definitivamente nós contra "eles". Todo o povo, porque muitos dos portugueses que constituem a base social de apoio dos partidos do governo, vivem acima das suas possibilidades, mas abaixo das suas necessidades, muitos deixaram de ter dinheiro para a saúde, para transportes, para comer, para a escola dos filhos.
O Primeiro-Ministro que dizia ser ele o porta-voz das más notícias, limitou-se a anunciar uma só, deixando o resto ao ministro Gaspar; o Primeiro-Ministro fez uma escolha ideológica entre o trabalho e o capital ao escolher para anunciar a medida da TSU, aquela que despudoradamente transfere dinheiro dos trabalhadores para as empresas.
Passos Coelho pode apresentar à troika um amplo consenso nacional: nós todos, o povo, contra "eles", o governo.

11 setembro 2012

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- Comunicação do Primeiro-Ministro ao País: Hoje a crónica tem um único ponto, e em forma de manifesto.
É absolutamente imprescindível que todos, e cada um, tomem consciência que a comunicação do Primeiro-Ministro ao País , na passada sexta-feira, é um ponto de viragem. Não se limitou à apresentação do primeiro-ministo-sexta-feira de mais umas medidas de austeridade que o cidadão e pai-sábado lamenta. É preciso que todos, e cada um, tomem consciência de que o governo, pela boca do seu arauto das más notícias, o que fez foi passar todo o ónus da tentativa da saída crise para o trabalho, para as pessoas, para as famílias, aliviando o capital, as empresas, e mantendo muitas das despesas inúteis da máquina do Estado inalteradas.
E a comunicação aos portugueses é um ponto de viragem porque:
ou, a rebelião que se tem sentido nas redes sociais e nos media, proveniente de todos os sectores da sociedade, toma corpo, toma forma, tem efeitos práticos, e governo e troika arrepiam caminho passando a olhar para as pessoas do modo que elas merecem,
ou, se mais uma vez todos, e cada um, se acomodam, e então, aí sim, nada deterá estes governantes. É o regabofe como este povo nunca viu.

- Livro da semana: A Fome, de Knut Hamsun.

10 setembro 2012

O Sentido do Fim, Julian Barnes, Quetzal

"O Sentido do Fim", em narrativa pretensamente desprendida de Julian Barnes tem algo de intimista e confessional. Uma conversa que se podia ter à mesa de café com um amigo a quem não seria necessário pedir segredo, pois os factos relatados de tão banais não mereceriam o reparo de reservados.
O romance (?) desenvolve-se a dois tempos: um, em que Tony Webster, em idade jovem, colegial, ansiando por sexo, literatura e discussões filosóficas, se encontra com Adrian Finn, novo companheiro de escola, e o apresenta à sua namorada Verónica; outro, em idade madura, em que já percorreu os passos normais de um casamento, de um divórcio,de ter uma filha, de uma carreira. A relação entre Adrien e Verónica (per)seguirá Tony Webster ao longo da vida, mas sem lhe causar engulhos até ao momento em que é confrontado com um estranho testamento e uma página arrancada do diário de Adrien que se suicidara.
"O Sentido do Fim", é um percurso através da memória, do envelhecimento, e do quanto o convencimento em verdades absolutas do nosso passado nos podem atraiçoar. A ordem dos factores não é arbitrária: o envelhecimento só acontece à medida que a memória vai colocando os factos nos lugares que cada um de nós lhe destina, já que a memória não é mais do que uma escolha do que queremos e como queremos recordar.
O romance, laureado com Man Booker Prize Award 2011, vale sobretudo pelas pequenas reflexões que o autor introduz ao longo da narrativa que nos fazem pensar que as memórias são retoques que damos no passado para construírem - ficcionarem - a nossa história de vida. Por vezes, damos conta que vivemos iludidos e que somos obrigados a uma remodelação bem maior do passado do que aquela a que já nos habituáramos.
Julian Barnes deixa muitas portas entreabertas sobre a vida das personagens e dos acontecimentos. Mas, não é assim que, em tom coloquial, falamos com os nossos amigos: lacunas, saltos no tempo, memórias dispersas? Um bom livro capaz de despertar o interesse noutros títulos do mesmo autor.