28 julho 2011

A Questão Finkler, Howard Jacbson, Porto Editora

"A Questão Finkler", de Howard Jacobson, galardoado com Man Booker Prize de 2010, é normalmente considerado o primeiro livro humorístico a receber aquela distinção. Permito-me discordar, pois nem tudo o que nos faz rir ou sorrir é forçosamente baseado no humor ou na comicidade. Se algumas situações são caricatas, se muitos dos diálogos são irónicos e sarcásticos e se o curso da história goza com a desesperança e desespero de Julian Treslove em se tornar judeu, o autor recorre a um pretenso ou falso humor para descrever a capacidade de os judeus como povo e individualmente têm de gozar consigo próprios e a partir daí com os outros. Além disso, "A Questão Finkler" não é propriamente um romance, mas antes um ensaio romanceado sobre o "judeuismo" (não sobre o judaísmo): o modo de ser, pensar e viver como um judeu.
Julian Treslove, um não-judeu, vive obcecado pela sua integração no "judeuismo" que considera a fonte de todo o sucesso do Mundo e culpado de todo o insucesso de todos os não-judeus, logo do seu. E para tanto não basta a adopção da religião judaica. A tese do judeu Howard Jacobson é de que seria demasiado fácil que a simples conversão religiosa habilitasse alguém a tornar-se judeu. E vai mais longe ao apelidar os judeus de finklers, pois enquanto é possível alguém declarar-se como convertido a uma qualquer religião, ou pedir uma nova nacionalidade, tornar-se noutro alguém - neste caso Finkler como símbolo de todos os finklers - é impossível. É este modo de ser judeu que torna o "judeuísmo" impenetrável a estranhos e, ao mesmo tempo, permite que os judeus não se dissolvam culturalmente, e enquanto nação espalhada pelo Mundo, noutras culturas e noutros povos.

Indo mais longe na análise do "ensaio" "A Questão Finkler", este contrapõe-se ao "Sobre A Questão Judaica", de Karl Marx, e segue na linha de Abram Leon, "A Questão Judaica", considerando que a religião, o judaísmo, não é a origem da explicação da História dos judeus como povo, mas precisamente o inverso e desta História que preserva uma religião advém a capacidade de os judeus rirem e desancarem em si próprios porque conhecem a sua superioridade: eles consideram que, como Povo Escolhido, caminham ao lado de Deus, enquanto os outros caminham para Deus.

"A Questão Finkler" é um romance académico (o que não é de modo nenhum um desperstígio), ou seja escrito - bem escrito -, de acordo com os cânones, narração linear, muito suportada no discurso directo,com uma excelente constância na caracterização e evolução dos três personagens principais. A tradução há-de ter sido bastante difícil e trabalhosa porque não é fácil traduzir o que pensam e dizem os finklers na sua linguagem original, neste caso o inglês. E preciso ser-se finkler.

25 julho 2011

Será correcto dizer "acalmar os mercados"?

Umberto Eco, o mais famoso semiologista da actualidade, poder-nos-ia dar uma ajuda na compreensão da crise financeira mundial, já que a semiologia é a ciência que se debruça sobre o modo de produção, funcionamento e recepção dos sinais de comunicação entre indivíduos e colectividades. Poder-nos-ia (e sobretudo aos governantes) ajudar a analisar a expressão tão em voga de acalmar os mercados.

As medidas financeiras e nomeadamente as de austeridade destinam-se antes a acalmar diversos países, instituições políticas e todos nós, na expectativa de inquietar os mercados. É verdade, não há engano, inquietar os mercados. Porque se existem organismos que neste momento atravessam um período de calma são precisamente os mercados, pois estão a ganhar biliões. Alguém, alguma vez se sentiu nervoso quando está a ganhar rios de dinheiro? Poderá não estar calmo, mas não é de medo que se queixará, é de euforia.
Em períodos de acalmia (que significa pouca variação nas cotações) um mercado comporta-se como um tigre à espera de saltar sobre a presa: imóvel, silencioso, calmo.

Os países da "esfera ocidental", estão a tomar as mais irracionais das medidas para conterem a euforia dos mercados, assemelhando-se ao sacrifício feito ao Minotauro que na Antiga Grécia (ele há coincidências!)todos os anos devorava catorze jovens (sete da cada género) que lhe eram entregues por uma tribo. O monstro era insaciável e estava descansado porque a tal tribo não mudava de paradigma (até um dia). Os gregos para o acalmar, todos os anos cometiam o mesmo erro.

Deveria, pois, ser abandonada a expressão acalmar os mercados, porque conforme ensina a semiologia os vícios de linguagem podem induzir a raciocínios errados.

E deveríamos, todos e cada um de nós, tomar consciência de que os únicos a terem já a certeza que depois desta crise financeira, um dia haverá uma outra, são os mercados. Então, com as nossas aflições eles voltarão à calma (eufórica).