09 setembro 2011

O mundo de José Manuel Fernandes está a acabar, e ele ainda não deu conta

Não sou amigo de José Manuel Fernandes (JMF), nem sequer no Facebook (só porque ele já atingiu a cifra mágica do tecto de amigos. Se ele quiser fazer-se meu "amigo" ainda tenho muitos lugares vagos) para lhe poder dizer que o mundo dele está a acabar, e ele ainda não deu conta. Isto em contraponto ao cabeçalho da sua crónica semanal no Público que diz: "O mundo de Mário Soares acabou, e ele ainda não deu por isso".
Insurge-se JMF contra Mário Soares porque o ex-Presidente da República prometeu numa entrevista na rádio "uma revolução a sério".

A diferença entre os dois, é que Mário Soares sempre pensou politicamente mais além do que os outros, em Portugal e até no estrangeiro, enquanto José Manuel Fernandes pensa no comentário político do curto prazo.

Mário Soares promete uma "revolução a sério" porque sabe que sempre existiram revoluções (e guerras) e que sempre existirão causas para as despoletar.

JMF transcreve as palavras de Mário Soares, mas não tira daí as devidas ilações: "Se esses mercados continuarem a mandar, nós vamos para o fundo e então tem que haver outra revolução, mas uma revolução a sério..."
É no "então" que está o cerne da questão. Mário Soares não advoga uma revolução para não pagarmos a dívida. Diz que quando os mercados derem cabo de nós, quando já não houver tábua de salvação, haverá uma revolução. Os mercados serão os causadores da revolução. A revolução não será feita para não liquidarmos as dívidas.

JMF socorre-se de Tony Judt, Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos, (é sempre bom ter um intelectual de renome à mão, sobretudo se faz um percurso idêntico ao JMF da esquerda marxista para a direita)), "para recordar como foi mas não voltará a ser" referindo os tempos em que Mário Soares cresceu como político e em que o dinheiro "aparecia sempre"...
Só um pormenor que me poderá ter escapado (ou a JMF), ou então não percebi nada (é possível) do que li da obra de Tony Judt: este aclamado historiador, crítico de várias experiências socializantes e da Terceira Via de Tony Blair (que Mário Soares também criticou), não defende o liberalismo, arcaico, neo ou ultra, como a solução para os "nossos actuais descontentamentos". Inclusivamente, lamenta o crescimento das políticas neo-liberais de Thatcher e Reagan.

JMF ainda não deu conta que há efectivamente mundos que acabam, mas que alguns são supernovas - nome dado aos corpos celestes surgidos após as explosões de certas estrelas que produzem objectos extremamente brilhantes, os quais declinam até se tornarem invisíveis, passadas algumas semanas ou meses. Também o liberalismo se comporta como uma supernova, explode (foi ele que nos trouxe à actual crise), produz corpos extremamente brilhantes (soluções que parecem milagrosas como o funcionamento livre dos mercados levado ao extremo) e depois fenece.

06 setembro 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- Cortes na despesa: A estratégia de comunicação do Governo revela efectivamente algumas debilidades. Quando todos exigem que o Governo anuncie finalmente os cortes na despesa do Estado, o Executivo esquece-se de informar uma poupança: desde meio de Julho que não existe Primeiro-Ministro.
Fontes bem informadas, próximas de meios liberais, dizem que se trata de um teste a ver se o lugar pode ser privatizado, indo além das exigências da troika. Informam ainda que o teste tem sido satisfatório pois ninguém tem dado pela falta do Primeiro-Ministro.
O próximo teste será feito com um licenciado em contabilidade como Ministro das Finanças que, pelos vistos, não precisa mais do que fazer balancetes a apresentar à Sr.ª Merkl. O Dr. Medina Carreira diz que não é oportuno privatizar o Ministro das Finanças, porque dão pouco por ele.

- Oposição: O PSD não estava preparado para ser Governo. O PS não estava preparado para ser Oposição.
É normal que os partidos de Governo, quando em funções, descurem a sua capacidade de mobilização, a sua actividade partidária, e até, que mantenham o partido amarrado e sossegado para não fazer ondas. Se é normal, era evitável. Se bem que o Congresso do PS, de onde sairão os órgãos dirigentes, ainda não se tenha realizado, é muito incipiente o desempenho do novo Secretário-Geral.

- José Eduardo Moniz na RTP: Não é de estranhar que os influentes se movimentem à vontade de um lado para o outro sempre em alta. O que é estranho é que alguém que é quadro de uma empresa - Ongoing -, que tem interesses no media, concorrente da RTP, seja convidado para um programa semanal de "comentário da actualidade" na televisão do Estado.
Diz-se que a Administração da RTP se opôs a esta contratação, pois o convite teria sido endereçado pelo Director de Informação. Estamos em crer que este recuo (veremos se definitivo)terá sido feito a "conselho" do Ministro Miguel Relvas.
Aguarda-se a todo o instante um SMS de Manuela Moura Guedes.

- Líbia: O Conselho Nacional de Transição na Líbia, órgão não democraticamente eleito, tem poderes para decidir a distribuição dos recursos naturais da Líbia ao Clube dos Amigos da Líbia, mas não tem capacidade de decidir como será feita a recolha das armas nas mãos dos rebeldes.

- Frase da semana (Ministro das Finanças, na conferência de impressa): "É.......minha........desejabilidade........".
No dicionário Priberam on-line: palavra reconhecida pelo FLiP mas sem definição;
No dicionário Porto Editora, 4ª Edição, muito corrigida e aumentada (sic): não consta.
É minha desejabilidade que seja feito rapidamente novo Acordo Ortográfico para introdução da palavra.

- Livro da semana: "O Homem Lento", de Cotzee, recomendado ao senhor Ministro de Estado e das Finanças, por razões óbvias (nada tem a ver com características pessoais, tem a ver com a dificuldade em apresentar cortes na despesa) e porque o livro é muito bom.

04 setembro 2011

Casa da Achada, Centro Mário Dionísio


Meramente por acaso, graças ao Facebook, descobri a Casa da Achada, Centro Mário Dionísio, que funciona na Rua da Achada, na Mouraria, e é dedicada ao escritor, pintor, ensaísta, professor, activista político Mário Dionísio, falecido em 1993.

Tendo sido seu aluno de francês, no Liceu de Camões, nos idos de 60,aqui deixo o meu testemunho:
Mário Dionísio como professor era uma figura pouco amável e simpática com os alunos, dado a poucas manifestações de satisfação; temível e temido nas suas chamadas ao quadro, à leitura, pelos pontos; laivos de intolerância contida para com a mediocridade; arrebatamentos de impaciência para com a ignorância; não havia desculpa, nem perdão, para a falta de estudo.
A sua maior prova de amizade pelos alunos não era um sorriso, uma palmada nas costas, um fechar de olhos a deixar passar em claro qualquer falta (menor), era a sua qualidade de ensino. Mas Mário Dionísio era um professor justo porque só exigia ao nível do que ensinava e como o seu ensino era de altíssima qualidade, a contrapartida tinha de ser idêntica.

Quando entrei na Casa da Achada, reencontrei-me imediatamente com o meu Professor, pois passava numa pequena televisão uma entrevista gravada com ele. Não com ele em imagem, mas na voz que enchia todo o espaço. E foi com aquela voz nasalada de fundo, que muitas vezes saia de um canto da boca, enquanto que o outro canto segurava o cachimbo, que segui a obra pictórica exposta nas paredes e que não conhecia (pode comprar-se por 10 € um livro de boa qualidade com a reprodução dos quadros).

Mário Dionísio foi um intelectual de elevada craveira, um professor inesquecível, merece pois que a Casa da Achada seja visitada.
Hoje, em que se contam os tostões para tudo e para o entertenimento, ir ao Centro Mário Dionísio e depois passear pelas ruelas e escadinhas da Mouraria é um programa a ter em conta para toda a família.

Se, quando fui seu aluno, lhe dissessem que um dia também eu publicaria uns romances, torceria o nariz com toda a certeza, mas que ele é um dos grandes "culpados", isso é. Bem-haja, Professor Mário Dionísio.