29 dezembro 2011

LIVRARIA FERIN

Hoje estava Sol, ao meio-dia a temperatura era amena, o rosto dos transeuntes na Rua Nova do Almada não era totalmente fechado, e eu entrei na Livraria Ferin. Foi um bocadinho da manhã que me encheu o dia.

Entrar na Ferin, é entrar numa livraria a sério. Sobretudo por que não se tropeça no best-seller com lugar no podium forjado, não se esbarra a cada canto e esquina com a auto-ajuda e, embora a casa remonte a 1840, tanto quanto se sabe não há perigo de aparição de qualquer vampiro.

Ser a Livraria Ferin uma livraria a sério, dever-se-á muito ao facto de ser pertença e ser gerida pela mesma família à seis gerações. Daí o gosto pelos livros, em geral, e em particular pelos de origem francesa muitos dos quais não terão tradução em português porque dificilmente não têm mercado. Mas, encontram-se também autores portugueses de séculos passados difíceis de vislumbrar noutros sítios e edições "especializadas" de religião, de filosofia e de viagens e de história.

Nos cerca de quarenta e cinco minutos que lá estive, estive quase todo o tempo sozinho, entrou um cliente à procura de um livro muito particular.

Um país, em que a Cultura é uma filha bastarda de um deus menor, tem na zona do Chiado a mais antiga livraria do Mundo, a Bertrand, e porventura uma das mais antigas da Europa, a Ferin. Visitem e encham a Ferin.

23 dezembro 2011

HISTÓRIA DE NATAL

Eu queria escrever uma História de Natal como eram todas as histórias de Natal da minha infância. Daquelas que acabam com os ebenezers scrooges desta vida atarantados, cheios de medo e convertidos à solidariedade humana.
É preciso dizer que a minha infância durou até tarde, até pr' aí aos cinquenta anos. E só então me dei conta que a parte fantasiosa do Conto de Natal de Dickens, não eram as aparições dos Natais Passado, Presente e Futuro, era mesmo a conversão do Scrooge em ser humano de bons sentimentos e bom coração. Já não se fazem scrooges como o da história. Os scrooges de hoje entram-nos casa dentro com ar compungido dizendo que o Natal tem de ser duro porque andámos a celebrar natais à grande; os scrooges actuais não aumentam o ordenado como no conto,dizem antes que os portugueses têm de trabalhar mais horas e retiram-lhe parte do salário.
Neste Natal multiplicar-se-ão os Bob Cratchit (o rapaz da história de Dickens), só que em negativo: em vez de terem um Natal melhorado, tê-lo-ão abaixo das suas expectativas. Os pais vão avisando, Este ano é só um brinquedo pequenino, mas invariavelmente a esperança de ver o presente almejado só morrerá à meia-noite de 24 de Dezembro, ou no dia 25 de manhã. Enquanto a desolação se dever à diminuta dimensão do brinquedo, não será assim tão mau. O pior será o comer da ceia de Natal, condimentado com as lágrimas dos pais, porque no resto do ano, a labuta para pôr o pão na mesa afigura-se inglória.

A minha História de Natal preferida não é a de Dickens, é a de um Menino que nasceu sem nada, se fez à vida e se fez Homem, e que bem ou mal se tornou símbolo de uma grande parte da humanidade. Não consta que, nos seus 33 anos de vida, alguma vez tenha celebrado o Natal, mas compartiu o pão e o vinho, multiplicou os peixes e tornou-os alimento do espírito; não há mesmo relatos de que tenha celebrado o dia de anos, mas histórias existem de que protegeu os fracos e indefesos e acusou os poderosos.
Esta é a História que me dá ânimo, dizendo-me que se procedermos como o Menino, os natais futuros serão bem melhores sem ser necessária a caridade dos ebenezers scrooges.

Eu queria contar uma História de Natal, mas a original é a melhor de todas. Tudo isto é inventado, e do domínio da crença. Pode ser, mas terminada a minha ingenuidade da infância, deixem-me prolongar a da adolescência.

20 dezembro 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- Desvio colossal: O senhor Primeiro-Ministro anunciou, ao Correio da Manhã em primeira mão, que o déficite de 2011 se situaria nos 4,5%, em vez dos "contratados" 5,9%. Sabe-se que foi à custa do Fundo de Pensões da Banca, que é uma receita pontual, que não volta a repetir-se, aliás só aporta futuros encargos para o Estado. Mas, percebe-se muito mal, porque mal explicada, a necessidade urgente de medidas de austeridade sobre medidas de austeridade, quando se sabia que existia esta "almofada". O Fundo de Pensões não apareceu por obra e graça do Espírito Santo depois de aprovado o Orçamento para 2012.

- Sustentabilidade do Estado Social: esta semana, até um conhecido humorista, na sua crónica semanal veio contar uma anedota para explicar a falência do Estado Social e de que somos todos uns ingénuos se continuamos a acreditar nele. É preciso dizer que o Estado Social não é um negócio, é uma opção ideológica com uma consequente opção de despesa pública e que o Estado Social não é AUTO-sustentável, mas pode ser sustentável. Subsídio à EDP para energias renováveis, grandes empresas portuguesas com sede na Holanda para "eficiência" fiscal, parcerias público-privadas com contratos leoninos favoráveis aos privados, etc,etc. Já viram que possivelmente há dinheiro para sustentar o Estado Social?

- Os países viciados na dívida são como as pessoas viciadas em álcool: declarou o Presidente do Banco Central Alemão. Julgo que, pelo menos, se estaria a referir à dívida que a Alemanha tem para com a Grécia e nunca mais "pára de a beber".

- Os professores devem emigrar: Opinião, sugestão, recomendação, do senhor Primeiro-Ministro, posteriormente sublimada pelo senhor Ministro Miguel Relvas. Tal e qual como numa empresa o que causa grandes problemas são os clientes, num país o que atrapalha é o povo.

- O Livro da Semana - Os Maias, Eça de Queirós, um dos 100 melhores romances de sempre. Seria interessante que se produzisse hoje um romance que retratasse a sociedade portuguesa, no nosso tempo, como Eça fez com a sua época.

15 dezembro 2011

O MEU BAIRRO

A minha amiga Filomena Alves lançou um desafio para que seus amigos escrevessem sobre os respectivos bairros, de habitação pressupõe-se. (Um parênteses, a Filomena é uma das executoras/editoras/mentalizadoras/etc/etc/etc. da revista luso-castelhana-marroquina (árabe) "Manga Ancha" de elevada qualidade literária e gráfica). Dizia eu, que "o meu bairro" bairro se pressupõe ser aquele onde se habita. Porque "o meu bairro" pode ser onde se trabalha, onde se encontra a pessoa amada, onde se foi, se é feliz, ou..., aquele onde nunca se esteve.
Eu não tenho bairro. Ou antes, tenho, mas nunca lá estive. Pertenço à categoria dos eternos insatisfeitos, e ao mesmo tempo crentes, de que existe um bairro, um bairro especial que tem, assim a modos que, o melhor dos mundos de todos os bairros por onde passei.
E, se para satisfazer, com todo o gosto, o pedido da Filomena, eu descrevesse esses bairros, um deles, por ando e andei,estaria a falsear o desiderato inicial, porque por definição (minha)se lá estive, esses não são, nunca foram os meus bairros. "O meu bairro" está sempre lá mais à frente, e amanhã, todos os amanhãs, tentarei lá chegar. Se um dia lá estiver, depois conto.

E quando vejo imagens tiradas do espaço sideral de uma esfera, achatada nos pólos, azul, manchada de brancos, penso: definitivamente, este é o meu bairro, e não mais do que isto.

13 dezembro 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- Cimeira Europeia - A Cimeira serviu para mostrar o poderio da Alemanha sobre a soberania dos Estados membros do Euro, cujos (fracos) líderes políticos se prontificaram a dizer ámen às propostas/imposições germânicas. Ao fim da tarde de sexta-feira, as Bolsas encerraram em alta, proclamando os doutos analistas que se devia ao sucesso da Cimeira. Durante o fim-de-semana as agências de rating disseram cobras e lagartos sobre a Cimeira, do Reino Unido e dos Estados-Unidos vieram as mais severas críticas à inoperância da Europa e, na segunda-feira, os juros para Portugal, Espanha e Itália subiram e as Bolsas fecharam em forte queda.
Os governantes, em geral, da Europa e os nossos, em particular, estarão de tal modo cegos que não conseguem ver que o que estão a fazer não serve para nada?

- Valor anual do déficite na Constituição - A prova de que não é aos países de Sul da Europa que falta cultura democrática. Se lhes falta, é por não perceberem o verdadeiro alcance anti-democrático se permitirem albergar tal aberração na sua lei fundamental.

- Aumento das taxas moderadoras na saúde - Não há razão para que o Serviço Nacional de Saúde e a Educação não sejam tendencialmente gratuitas (para outra ocasião o que se deve pagar nestas duas áreas).
A Saúde poderá até ser gratuita se os dinheiros públicos forem eficazmente aplicados e se a gestão das unidades de saúde for eficiente. O aumento das taxas moderadoras, das consultas e dos cuidados de saúde não resolve nenhuma das questões atrás colocadas. O aumento torna mais racional a procura mas mantém os desperdícios e ineficiências da gestão.
O acesso aos cuidados de saúde e à educação não é um problema económico, é um problema político e ideológico.

- Livro da semana - Mau Tempo No Canal, de Vitorino Nemésio, recomendado apenas porque é um excelente livro e que me veio à ideia, embora ao Canal seja outro, devido à continuada separação entre o Reino Unido e a Europa (desta vez sem culpa para os britânicos).

10 dezembro 2011

O Eng. José Sócrates deu um tiro no pé.

O Eng Jose Sócrates escorregou, a arma disparou-se e deu um tiro no pé. Não se conteve e encurtou o período de nojo de afastamento da política interna do país, que se desejava, para bem do próprio, mais prolongado. Deu o dito tiro numa sessão com alunos de uma faculdade ao pronunciar-se sobre dívidas e déficites (não são a mesma coisa), de como se pagam e não se paga, de infantilidades e de como teria estudado todas estas matérias. E atingiu o seu pé e atingiu-nos a todos porque os defensores da política Dr. Passos Coelho/Dr. Miguel Relvas/Eng. Ângelo Correia, assim como muitos comentadores que tinham metido a viola no saco, receberam um balão de oxigénio.

Propositadamente deixei acalmar a sanha anti-socrática e a reacção defensiva para explanar a minha leitura das declarações da "desgraça". Inclusivamente o Eng. José Sócrates já veio aclarar que nunca pretendeu dizer que Portugal não devia pagar a dívida. E se teve que voltar à liça para esclarecimentos é por que o que foi dito, por si só, não tornava evidente o pensamento do Eng. José Sócrates e muito menos vai a tempo de emendar a mão porque o vídeo pulula nas redes sociais e sem trazer anexado o posterior esclarecimento.

O que uma noite bem dormida sobre as resoluções de uma Cimeira Europeia, comandado a toque de caixa pela Alemanha (já nem digo Sr.ª Merkel), mostra à saciedade a causa das coisas e que o pecado do Eng.José Sócrates foi ter-se deixado embalar na sua governação pela sereia da dívida virtuosa cantada pelos mercados e pelos Estados com poderosos sistemas financeiros que alimentam essas dívidas dos países com economias mais débeis. Os países, todos, não apenas os mais pequenos, foram aliciados pelos sistemas de crédito fácil e barato para gastarem em obras de regime (tecnologia importada da Alemanha, França, etc) e depois apareceram os credores a dizerem que só emprestam mais dinheiro se os juros forem temperados com cicuta. O Eng. José Sócrates pode não ter estudado o que disse em Universidades de renome, mas que o "endivida-te, e viverás melhor" era apregoado em fóruns internacionais pelos mais acérrimos defensores do liberalismo, era.

A quem interessa que pessoas, famílias, empresas e Estados se endividem? A resposta é ao sistema que é apologista do maior número possível de transacções num mercado gerido pela lei da oferta e da procura. E como se consegue que todos tenham sempre dinheiro disponível para aumentarem consecutiva e exponencialmente o número de transacções? os Estados, como as pessoas, só podem oferecer se tiverem dinheiro. Se não têm dinheiro próprio, empresta-se.
O que é que se faz a um jogador de póquer que está a perder tudo? Expulsa-se da mesa? Não, emprestasse-lhe mais dinheiro - aprende-se na "universidade" dos filmes americanos. Depois, em casos extremos, cobra-se coercivamente.

O Eng. José Sócrates, nas declarações proferidas, freudianamente, confessou o seu pecado: pensou que poderia ser comandado pela política e economia neoliberais enquanto precisava, depois cortava as amarras.
O Eng. José Sócrates foi, na ocasião o instrumento, mas os verdadeiros culpados da situação de Portugal estão a montante.

O erro do Dr. Passos Coelho é que pensa que por dizer "eu sou dos vossos" tem uma maior complacência por parte do sistema neoliberal. Aliás é bem notório como a Chanceler Merkel e o Presidente Sarkozy têm um pensamento alinhado com Massamá e estranha-se que não existam task-forces, reuniões, delegações, o que quer que seja, de Portugal, Grécia, Irlanda, Itália (e outros países se juntarão)para ter posições concertadas no seio da União Europeia e nos mercados internacionais.

06 dezembro 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- Entrevista do Primeiro-Ministro à SIC (30 Nov.)- É muito grave quando, na situação actual, a única coisa de substância que o PM de Portugal tenha dito numa entrevista seja que admite a possibilidade de confiscar os subsídios de férias e de Natal aos trabalhadores da actividade privada, tendo-se recusado a fazê-lo poucos dias antes num local bem mais adequado: o Parlamento Significa que não controla a situação, e não controla porque como todos os outros líderes da União Europeia abdicou de salvar quem precisa ser salvo: o povo, não os Bancos.

- O Fundo de Pensões da Banca "dá" dois mil milhões ao Orçamento deste ano - Sem esquecer que esta passagem dos Fundos privados para o Estado não passa de um balão de oxigénio, porque no futuro, estes trabalhadores terão de ser pagos pela Segurança Social, o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças mentiram ao país. E mentiram porque quiseram, porque poderiam ter dito que era sua opção política aplicar este dinheiro no relançamento da economia em vez de poupar um corte no subsídio de Natal dos portugueses. Era contestável, assim é condenável.

- O maior fosso entre ricos e pobres do últimos trinta anos (5 Dez.) - A OCDE,num estudo para 34 países, revelou que os dez por cento mais ricos da população se tornaram ainda mais ricos e que "A desigualdade em Portugal mantém-se assim entre as mais elevadas deste grupo, na sexta posição quando considerada a diferença entre os rendimentos dos 20% mais ricos e os dos 20% mais pobres, que é de 6,1 vezes – face a 5,4 vezes para o conjunto dos seus 34 membros". É bem verdade que vivemos acima das nossas possibilidades, o fosso ainda não é demasiado grande.

- Livro da Semana - "Os Lusíadas", de Luís Vaz de Camões, recomendado a todos os portugueses para que quando o único feriado que restar para cortar seja o 10 de Junho, possamos gritar bem alto e de cor a gesta lusitana

04 dezembro 2011

A POLÍTICA DE TRANSPORTES E DE AMBIENTE


Ontem estava um bonito dia de outono e um passeio pelo Chiado é sempre um programa apetecível. Associei-me à minha mulher e fomos os dois para a Baixa de Lisboa. De carro. De carro, sim, de carro.
Moro numa zona em que preciso de tomar dois transportes, ou uma longa caminhada a pé e o Metro, para ir até ao centro da cidade. Caso optasse pela segunda hipótese, visto não irmos, e muito menos pensarmos em vir, carregados com qualquer embrulho, pequeno que fosse, o custo total da deslocação seria de 4,20 euros. O parqueamento custou, por duas horas, em "zona nobre de parquímetros" (a mais cara) 3,2 euros ao que acresce custo do combustível, manutenção e desgaste do veículo. Só que tive transporte de porta a porta.

É este o modo de incentivar a procura de transportes públicos, aliviar o stress do tráfego automóvel sobre a cidade e diminuir a poluição?

29 novembro 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- Greve Geral - Antes, durante e principalmente depois, declarou-se não se saber para que servia a greve geral. A greve serviu sobretudo ao governo para avaliar a pulsão social e grau de contestação às políticas implementadas e a implementar. E o governo tem razões de sobra para estar satisfeito porque quanto mais pessoas fizerem greve enquadradas pelas moderadas centrais sindicais portuguesas, mais está a salvo de uma eventual contestação social destrutiva, como a da Grécia.
Tomara o governo que, até ao fim da legislatura, as greves tivessem uma elevada adesão e os grevistas se manifestassem num clima ordeiro como no passado dia 24 de Novembro. O governo deveria decretar como obrigatória a realização de uma greve sempre que haja novas medidas de penalização dos portugueses.

- Merkel e Sarkozy - Esta foi a semana do primeiro arrufo público entre os chefes máximos da Alemanha e da França. Do condenados a viverem juntos para sempre, passaram ao vamos ver quem cai primeiro. E os europeus, numa espécie de deleite suicida, aguardam a queda das duas potências (?) para dizerem: é bem feito. E era bem feito, se não fosse tão mal feito.

- O outono árabe - Embandeirou o Ocidente em arco com as primaveras árabes no Egipto, Líbia, Tunísia, e continua a esperar com ansiedade pela Síria, Iemen e sobretudo pela Arábia Saudita. Sabe-se, no entanto, que a qualquer primavera se sucedem outras estações, cada uma com os seus encantos próprios, mas também com as suas agruras, e que as mais rigorosas são o outono e o inverno.
No Egipto, o outono está a chegar. E com este outono, como vê o Ocidente daqui para a frente a implementação da democracia neste e noutros países muçulmanos? A minha resposta é: não sabe.
O Ocidente habituou-se a exportar bens e serviços, ideologias e religiões, para zonas do mundo diferentes da sua numa tentativa de homogeneizar o Globo à sua imagem e semelhança. Chineses, indianos, angolanos, brasileiros já estão a exportar os seus bens e serviços para o Ocidente e a comprarem o seu tecido produtivo. E se eles caem na tentação de exportar as suas ideologias e religiões? Vai o Ocidente dizer que está ameaçado?

- Frase da semana: "o grau de adesão à greve na Administração Central às 11:00 é de 3,6%". O senhor Ministro Miguel Relvas deve ter-se encadeado com a sua grande capacidade de fazer sit-down (fez as declarações sentado) comedy e levou ao extremo uma rábula levada à cena por outros governos. Desta vez a preformance foi exímia.

- Livro da semana - "Figuras, Figurantes e Figurões", de Luiz Pacheco, recomendado a uns quantos personagens que por aí andam. Vocês sabem o que eu quero dizer, parafraseando o comentador futebolístico Octávio Machado.

27 novembro 2011

Two rooms with view(s), Dois espaços com vistas.

Duas exposições de pintura (de arte) no mesmo dia. Duas experiências sensoriais completamente distintas. A primeira, A Perspectiva das Coisas. A Natureza-Morta na Europa, na Gulbenkian, num ambiente recatado, luz ambiente calma com os focos a realçarem os quadros, a dizer que estamos num museu; na segunda, ARTE LISBOA, na FIL, onde as peças tomam realce contra o fundo branco das paredes, numa atmosfera asséptica, vigorosa, de (a) ferir a vista, em pavilhões de galerias de arte destinadas ao comércio.

A realização destas duas exposições tem fins completamente distintos e os artistas que pontuam em cada uma delas são de gabaritos distintos. Não são pois comparáveis. No entanto, foram duas experiências sensoriais completamente distintas que se confrontaram e complementaram devido à proximidade temporal em que foram efectuadas as visitas (para quem estiver interessado em fazer a mesma experiência só tem o dia 27 de Novembro, porque a ARTE LISBOA encerra neste dia).

As naturezas-mortas tradicionais começam por ser cópias fiéis de peças de caça, frutos, facas, flores sobre toalhas, para evoluírem com, e através do expressionismo, impressionismo, cubismo, surrealismo...até regressarmos ao princípio, do outro lado da cidade, com o hiper-realismo que é o cunho de uma corrente da Arte Contemporâneo com alguns exemplares na ARTE LISBOA. Não há (não vi) quaisquer comestíveis nas peças de Arte Contemporânea, mas estão reproduzidos os consumíveis - automóveis polidos a reflectirem prédios espelhados, mobiliário urbano, estradas -, existem peças executadas com filtros de cigarros fumados (beatas).

Em qualquer das exibições, faltou-me a muleta do conhecimento e dei mais uma vez conta de que a arte tem de ser ensinada e explicada, para nos deixarmos do eu não percebo, gosto, ou não gosto, que nos escuda numa ignorância preguiçosa e que nos impede de fruirmos a arte.

Quando se visita um museu numa capital europeia, encontram-se grupos de miúdos deitados pelo chão a copiarem quadros e a tirarem apontamentos, a cochicharem ou a falarem num tom de voz que dá conta de que andam pardais à solta (o que não considero condenável). No tempo em que visitei qualquer das exposições não vi ninguém a ensinar arte às crianças. Não havia crianças.

Em Portugal, o dinheiro do Orçamento de Estado para a Cultura, e nomeadamente para a Arte, é sempre visto (porventura com razão) sementeira deitada à terra sem retorno. Esta visão está muito implantada porque a produção artística não desenvolve consumidores que a paguem sem recurso a subsídios. Pudera, não existe formação, desde as mais tenras idades, de consumidores.

22 novembro 2011

VISAO DA ACTUALIADADE A SEMANA

- Relatório sob serviço publico de televisão - Ao ler o relatório e ao ouvir as declarações do Prof. João Duque - vale aquele dito antigo não vás sapateiro além da chinela - é o assombro total. Se os doutos membros da Comissão são competentes nas suas áreas de formação (o que já se pode duvidar perante a aberração que deram à luz) demonstraram uma inqualificável inépcia, mais que não seja, para produzirem relatórios. Espante-se perante as afirmações do Dr. João Duque, um professor licenciado pelo ISEG, que diz que os telespectadores preferem as "notícias" das estações privadas em detrimento das da estação pública porque, embora a RTP seja a primeira em audiências, a sua percentagem é inferior ao somatório de todas as outras (por favor, alguém que ensine que em estatística não há "vencedores por equipas").
Diz-se que o Ministro Miguel Relvas, ao fazer a "encomenda", já antevia a peça que ia sair dali, para depois apresentar a sua solução salvífica para o Serviço Público. E demasiado maquiavélico, ou demasiado rélvico. Acho que se limitou a aproveitar a "ciência" residente e disponível nos meios liberais.

- A ré Fofinha - O Conslho Superior da Magistratura (CSM) puniu (com aposentação compulsiva) um juíz por tratar uma ré por "fofinha" e por atrasar os processos. Voltou o CSM atrás com a decisão quando soube que "fofinha" era o nome de uma empresa de tecelagem e fiação da Covilhã. Mais um caso que leva a perguntar: que espécie de investigação foi feita à prestação do juiz no âmbito das suas funções? Então o magistrado não teve direito a defender-se antes de lhe serem aplicada a pena? Se até com os próprios se comportam deste modo...

- Demissão de Director do Teatro Nacional D. Naria II - Diogo Infante, Director do TNDMII ameaçou suspender a programação de 2012 caso os cortes de verba para o Teatro fossem por diante. Não conheço o trabalho de Diogo Infante à frente da programação do Teatro, nem está aqui em causa a avaliação das suas competências artísticas para a função, mas o que Diogo Infante fez foi dizer ao Secretário de Estado da Cultura: obviamente, demita-me. Obviamente, foi demitido. O Secretário de Estado não podia ter outra atitude.
Se Diogo Infante pretendia com o seu gesto chamar à atenção para a sua discordância com a política de cultura, foi sem dúvida um gesto nobre, mas já até o Dalai Lama condena a imolação pelo fogo por ser totalmente inconsequente. O que Diogo Infante conseguiu foi salvar a semana do Secretário de Estado ao dar-lhe oportunidade de aplicar as boas regras de gestão ao demiti-lo perante as circunstâncias.

- Frase da semana - "fraude na saúde de 8% é aceitável", proferida pelo Secretário de Estado da Saúde. Gostaria que considerem-se razoável uma fraude no meu IRS, IMI, Taxas de esgotos, taxas de direitos de passagem, IVA, no mesmo valor.

- Livro da semana - Deixem Falar as Pedras, de David Machado. Uma extraordinária viagem de um rapaz pelo passado do avô onde a percepção do mundo, a realidade (?), confrontam o protagonista com a linha de separação entre o verdadeiro e o falso e de que maneira e com que frequência (eventualmente) se confundem. Neste momento conturbado do Mundo, livro recomendado a todos para pôr-mos em causa todas as nossas certezas e todos aqueles que nos apresentam inevitabilidades (que à sua maneira, são certezas).

15 novembro 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- Governos técnicos: Na Grécia e na Itália surgem dois governos que podem ser considerados de iniciativa presidencial - modelo previsto nas leis dos referidos países - até à realização de eleições. Não se vislumbra onde é que formalmente a democracia deixou a funcionar nos ditos países. Aguardemos para saber como é que estes governos serão submetidos à aprovação dos respectivos parlamentos. O problema para a democracia é outro: é o apelidarem-se esses governos de técnicos (lembram-se quão apregoadamente técnicos eram os Ministros Álvaro Santos Pereira, Vitor Gaspar e outros?), dando a entender que os governos políticos (os que resultam de eleições) são piores, porque incompetentes, corruptos, contrários aos interesses dos povos, etc. São, pois, uma espécie de troika de trazer por casa. T'arrenego, cruzes canhoto.

- Os feriados: - O PSD (mais do que o CDS) tem verberado contra os feriados como uma das causas da baixa competitividade das empresas nacionais e que as pontes custam uns milhões ao país. Ontem, o senhor Álvaro Ministro disse que o Governo se tem deparado com dificuldades/impossibilidades para (re)mover os feriados das suas datas. Esta informação não estava escondida pelo Governo do PS, poderia ter sido convenientemente trabalhada em deviddo tempo. Mais uma amostra da falta de preparação do Governo e daqueles Conselhos de Sábios (liberais) que lhe andaram a preparar o caminho.
Liminarmente, todo o aumento de uma carga horária de trabalho não remunerada resulta apenas numa redução de um custo de produção: o custo do trabalho. Já que não se pode desvalorizar a moeda, desvaloriza-se um dos factores de produção. Mas, para técnicos/políticos liberais, esta carga horária não devia ser deixada ao mercado e à negociação livre entre patrões e empregados?

- Frase da semana: Nós não fazemos malabarices... Dita pelo senhor Primeiro-Ministro no debate sobre o OE na Assembleia da República. Sem mais comentários.

-Livro da semana: Travessuras da Menina Má, de Mario Vargas Llosa, recomendado a todos os que sofrem na pele as travessuras da senhora Merkl. A notícia da criação de União a várias velocidade (não se pense que se ficavam só pelas duas) não é mais do que a desfaçatez daqueles que conviveram com "os mais pequenos" (nunca os países foram iguais no seio da Comunidade e da União) enquanto vendiam submarinos, liquidavam frotas pesqueiras, reduziam as produções de leite, eram os promotores de TGV, etc. e que agora se querem desenvencilhar dos parentes pobres.

10 novembro 2011

BOLA NA MARCA E BIQUEIRADA PR' A FRENTE

Em miúdo eu tinha uma bola. Tinha A bola. Eu era o dono, logo, quando havia pénalti contra a equipa contrária, era eu que apontava o castigo máximo, caso contrário já se sabe ao que eram sujeitos os contestarios. O problema é que se todos me obedeciam, a bola não. Teimava em sair fora do enquadramento da baliza ou direitinha as mãos do guarda-redes.
O meu primo, mais velho que eu, amante do Benfica, mas que chegou ia treinar nos juniores do Sporting, deu-me a táctica: vais deixar de marcar em jeito. Pões a bola na marca e depois só te preocupas em dar uma biqueirada com toda a força.
Queria ele dizer: um ganda pontapé de bico e fé em Deus.

Ao ouvir hoje o debate na Assembleia sobre o OE 2012 da parte do Governo e bancadas apoiantes se ouviu apenas: nada será como dantes, acreditamos no povo português,nós estamos aqui para fazer como deve ser, é inevitável, foram os outros, acredito que o meu primo tenha sido contratado como consultor deste Governo, e que se terá mantido fiel aos seus princípios tácticos: OE na marca,biqueirada para a frente e Deus queira que dê resultado.

Não precisa o Governo de me contratar para saber o que me aconteceu com os penaltis de biqueira, eu revelo: aumentou a eficácia, pouco mas aumentou, mas não demorou muito para que a minha mãe me tirasse a bola devido ao aumento de vidros de janelas partidos e das unhas do dedo grande do pé direito encravadas.

Quanto à biqueirada do Governo com o OE 2012 foi à figura, mas disparado com tal violência que meteu guarda-redes e tudo pela baliza dentro.

09 novembro 2011

ESTAMOS TODOS A COMENTAR ACIMA DAS NOSSAS POSSIBILIDADES

É espantosa a velocidade com que comentadores e analistas políticos e económico são obrigados a fazerem piruetas analíticas, dar o dito por não dito ou a meterem a viola no saco.

Ainda há seis meses - é verdade, só seis meses - eramos bombardeados com o desfasamento da realidade do Eng.º José Sócrates, como causa de todos os males que aconteciam ao nosso país; depois de o terem derrubado, o cancro era o malvado modelo de Estado Social e a demografia; a seguir, a culpa era do despesismo não produtivo que remontava, num passado ainda não muito distante, à governação do Prof. Cavaco Silva; finalmente, atiraram-se à falta de liderança europeia que deixa países caírem, um a um, até os mercados chegarem, não às portas de Roma, que para eles já é cidade aberta, mas às portas de Brandeburgo. Dizem que aí a Alemanha vai tomar uma atitude.

Comentando apenas o passado e fazendo-o à luz do presente de hoje, porque amanhã já pode ser diferente, parece-me evidente que por falta de visão, por interesses pessoais, por mimetismo, por chantagem, por imposição, ou simplesmente porque era mais fácil, os governantes europeus hipnotizados por uma miragem de dinheiro fácil, crescimento continuando e imparável, se deixaram enredar numa teia tecida laboriosamente pelos mercados que ganharam dinheiro com dot.com's, com especulação imobiliária, com crédito a rodos a famílias, empresas e Estados, e que agora ganham mais dinheiro com dívidas soberanas, com o arrasamento do valor bolsista das empresas para puderem ser facilmente adquiridas. Os governantes viveram (fizeram-nos viver)pelas razões apontadas no logro de que a alavancagem das economias mais débeis da União Europeia era a solução para duas necessidades opostas: o escoamento de tecnologia e de excedentes de países ricos para países menos desenvolvidos prometendo-lhes que um dia chegariam a ricos. Mas, mesmo muito do dinheiro que os países ricos despejaram nos países mais pobres ou menos ricos, não lhes pertencia. Foram buscá-lo aos mercados a um juro mais baixo e emprestaram-no com um adicional de ganho. E o mal foi alguém ter dito, agora quero que me paguem, onde é que está o dinheiro real? (caso paridigmático é o sub-prime nos Estados-Unidos).

Este é o sistema em que nos enredámos. Este é O sistema. É muito difícil sair daqui e mais difícil é quando não se vê o rosto do suporte deste sistema: os mercados. Já ouvimos dizer que são pessoas. Mas, já alguém entrevistou alguma dessas pessoas para se saber o que pretendem (para além de ganhar dinheiro)? Que eu saiba, não. Os mercados são o mais antigo grupo de Anonymous que ocuparam a nossa vida.

Qualquer comentário sobre o futuro e sobre possíveis soluções pode falhar redondamente, e falhará por certo se continuarmos a utilizar os mesmos instrumentos de análise, por isso os comentadores e analistas que andaram (e que andem) armados em pitonísas são, também eles, fonte do problema. É, pois, caso para dizer: estamos todos a comentar acima das nossas possibilidades.

03 novembro 2011

Na Margem do Teu Segredo, Julieta Ferreira, Lua de Marfim

Na Margem do Teu Segredo, de Julieta Ferreira, é um romance sincopado de modo contínuo. São quatro personagens que ocupam o mesmo espaço cénico, o mesmo tempo, mas cada uma delas está como que irremediavelmente só nos capítulos que lhes competem...e na vida. O que confere continuidade aos episódios, não são, mesmo que existam, laços familiares, ou histórias comuns, mas a escrita de Julieta Ferreira que num registo muito semelhante para todas as personagens estabelece o fio condutor.
Um romance sobre o Destino, o Tempo e a Morte, diz o texto da contracapa. E da Solidão. O que ressalta é sobretudo o isolamento das personagens no mundo que as rodeia. Mundo que mesmo identificado com nomes de cidades ou de ruas podia ser um qualquer lugar. E o dissecar pormenorizado dos passos diários, dos sentimentos, das memórias, da descrição da envolvência,da atenção dada às pequenas coisas, mais isola as personagens.

Uma obra com uma escrita cuidada - em que a escolha da palavra certa requer isolamento - à qual Julieta Ferreira confere o tom de intimidade e a sensação que as personagens nos dão o braço e nos levam, placidamente, a percorrer um jardim numa tarde de sol de inverno enquanto nos contam a sua história, já sem mágoa, sem ressentimento. Apenas a história

Na Margem do Teu Segredo é também um romance contido. No sentido que se adivinha um grande fôlego da autora para um grande romance e que terá tido "medo" de arriscar. Mas, paradoxalmente, acaba por resultar bem porque as personagens são apertadas no pequeno espaço/tempo que Julieta Ferreira ...e a vida, lhes concedem.

01 novembro 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- Sete mil milhões de habitantes no planeta Terra: O número foi celebrado porque um nascimento é sempre um momento de felicidade. No entanto, o número é assustador e, considerando que passaram apenas doze anos para a população crescer mil milhões, não se vêem soluções morais e técnicas para que dentro de poucos anos habitem em condições decentes quatorze mil milhões de pessoas. E depois por aí acima.

- Renegociação do acordo com a troika: Entende-se a vontade de demonstrar urbe et orbi que Portugal é capaz de cumprir o acordo. O que não se entende é que os governantes, que deveriam transmitir uma mensagem de passos seguros (saiu-me), passem uma mensagem de completo desnorte: então agora já é possível renegociar? O que a pés juntos se afirmava não poder ser feito. Só se foi para justificar que há mais medidas de austeridade para além da troika.

- Cultura: É-me indiferente que a Cultura tenha estatuto de Ministério ou de Secretaria de Estado. Não serão os mais ou menos doze mil euros por ano da diferença de ordenado entre Ministro e Secretário de Estado que constituem poupança. É-me indiferente porque a única tarefa parece ser gastar menos dinheiro numa política de cultura gasta e ultrapassada. Nisso estou de acordo com o Secretário de Estado da Cultura. Mas, pergunta-se: qual é a parte da frase "Queremos saber qual é a política de Cultura do PSD/CDS" que o Governo ainda não percebeu?

-A frase da semana: "Álvaro ou saco de boxe", sub-título da opinião de Nicolau Santos, no Expresso. Nicolau Santos diz duas ou tres coisas em favor do ministro Álvaro Santos Pereira, nomeadamente que tomou posse de um super-ministério ingovernável. Temos pena, foi ele que se pôs a jeito. O Ministro da Economia e do EMPREGO, transformou-se num saco de boxe porque, sendo o Ministro mais importante deste governo ao tem de criar emprego em contra-ciclo, acomoda-se à ideia que, como uma vacina, é preciso deixar aumentar o desemprego para depois renascer das cinzas. O problema, Senhor Ministro, é que as cinzas são de corpos humanos incinerados na fogueira da crise e do desemprego.

-O livro da semana: Sermões, Padre António Vieira, recomendo a todos, para reflectirmos que apesar dos avanços éticos e morais, em quase quinhentos anos a índole da natureza humana permanece inalterada.
Os Sermões estão disponíveis na internet.

31 outubro 2011

HUMOR MUITO NEGRO

HISTÓRIA I
Seria da chuva intensa que os olhos dos dois homens estavam aguados porque do interno as lágrimas escasseavam. O primeiro homem tinha-as perdido, as últimas, num emprego, em Setúbal, que desaparecera, assim, com estalar de dedos, de um momento para o outro. O segundo homem ainda tinha lágrimas, mas perdia-as em cada injecção de heroína.
Puxando a barba hirsuta, como que a espremê-la para a secar, o primeiro comentou:
- Esta noite, choveu comó caraças.
O segundo procurando uma pirisca húmida nos bolsos.
- Molhou-me a casa toda, ainda tenho de ver hoje se arranjo um cartão seco.
- É, agora fazem destas casas de material reciclável, mas são quentes no Verão e húmidas no Inverno.
Retornou o segundo:
- Sabes qual é o meu sonho? - enquanto limpava a agulha da seringa enferrujada a preparar a dose - era ter assim uma casa grande, onde eu me pudesse esticar à vontade, assim uma embalagem de um frigorífico amaricano.
Os olhos dos dois homens começaram a ficar baços, seria da neblina, ou talvez da fome.

(Escutada no Rossio)

HISTÓRIA II
Parei o carro à espera que o veículo saísse do separador central. Quando me preparava para arrumar, o moedinhas de jornal levantado corria rua acima a indicar-me que podia parquear no local que ele não ajudara a arranjar.
Sorriu-me com as gengivas descarnadas e a face do rosto chupada pela droga.
- Desculpe, senhor, não ajudar melhor a arrumar, mas estava ali em baixo a arrumar outro. E isto de andar todo dia, rua abaixo, rua acima, a levar com o fumo dos automóveis dá cabo da saúde.

(Na Rua Defensor de Chaves)

26 outubro 2011

DE ONDE O NOME DE EUROPA.

EUROPA era filha do rei fenício Agénor e da sua mulher Telephassa. Zeus enamorou-se dela e disfarçado de touro branco e cornos dourados raptou-a. Europa inebriada deixou-se seduzir e acedeu a ser amante de Zeus e deste teve três filhos. Depois de satisfeito, Zeus abandonou-a, mas não sem lhe arranjar um marido legítimo. Europa viveu o resto dos seus dias em Creta, mas a família nunca mais soube do seu paradeiro.
Agénor, pai de coração destroçado, procurou-a por toda a parte, principalmente nas terras que hoje são designadas por Continente Europeu. E essas terras tomaram o nome de Europa porque Agénor percorreu estes caminhos sempre chamando pelo nome da filha sem a encontrar.

Desde domingo que para os lados de Bruxelas, ao fim de séculos, se ouve novamente chamar pela Europa. Hoje, no Conselho da Zona Euro,ou se desfaz o mito, ou o mais provável é que a Europa continue desaparecida. Sintomaticamente, em Creta, na Grécia.

25 outubro 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- A Cimeira Europeia: Como é que tanta gente inteligente e poderosa junta consegue não fazer nada, ou fazer tanta asneira? Qual é o mercado que acredita numa instituição que decide matérias que depois têm de ser aprovadas em "imprevisíveis" Parlamentos nacionais? Passou-se com a Finlândia, com a Eslovénia, e agora com a toda poderosa Alemanha. Qual o poder de intervenção do Parlamento Europeu, a única instituição para a qual votamos, na resolução da crise?

- Os Bancos: Ainda bem que a maior parte da população não sabe o que é isto da recapitalização da banca, da assumpção de perdas relativas à Grécia por parte dos bancos, caso contrário já tinha havido uma corrida aos depósitos e o sistema financeiro entraria em colapso. Seria a todos os títulos desejável que alguém credível explicasse exactamente o que se passa com os Bancos portugueses, quais os riscos, as soluções, os eventuais encargos para o Estado, o que significa para todos nós.

- Frase da Semana: O que é preciso é uma autoridade inteligente , da autoria do Secretário-Geral do Partido Socialista. E que tal uma política fiscal rubicunda? e um desenvolvimento económico aprazível? ou uma Segurança Social fixe? Embora a frase tivesse algumas explicações subsequentes, não é a austeridade que atemoriza, é o vazio da mesma que denota um imobilismo intelectual do PS na procura e apresentação de soluções inovadoras.

- Livro da Semana: O Estranho Caso de Benjamin Button, de Scott Fitzgerald, dedicado ao Ministro Álvaro Santos Pereira, porque Benjamin Button era um homem cujo corpo não correspondia à idade mental a qual se desenvolvia do fim para o princípio, o que levava a que um homem na terceira idade se entretivesse a brincar com comboios eléctricos.

20 outubro 2011

PARÁBOLA SEGUNDO O OE 2012

Dois homens encetaram o caminho de regresso a casa através de um descampado desértico. Um deles tinha um garrafão de água de cinco litros, o outro só uma nota de dez euros.
Depois de andarem um pedaço, o homem do garrafão teve sede e bebeu um trago. O outro continuou a caminhar em silêncio à espera que o primeiro partilhasse com ele a água. Nada.
- Dás-me um golo de água? - pediu finalmente.
- Não, só tenho esta, e daqui até casa não há onde beber.
O do dinheiro disse:
- Vendes-me então o garrafão?
Acordaram na venda que teve que se realizar por dez euros, pois o homem da água não tinha dinheiro para trocos.
O segundo homem na posse do garrafão bebeu com sofreguidão matando a sede.
Mais adiante deu-se a situação inversa: o primeiro homem tinha dinheiro, mas já não tinha garrafão da água e propôs que o segundo lhe vendesse o garrafão. A transacção processou-se a dez por ser o único dinheiro existente, embora a água no garrafão já fosse em menor quantidade.
Continuaram a vender o garrafão de água um ao outro pelos mesmos dez euros até que se chegou à situação de um dos homens ficar com um garrafão vazio e o outro com os dez euros.
Ao chegarem a casa o homem que tinha os dez euros pagou algumas dívidas e ficou sem nada; o homem que tinha o garrafão tentou vendê-lo ao fornecedor de água que disse que lho comprava se o homem se comprometesse, desde logo, a adquirir-lhe dez garrafões de água.

Faz lembrar qualquer coisa, não faz?

19 outubro 2011

ASSIM, SIM, SR. PRESIDENTE.

Não sou especialista na matéria, mas estou em crer que a suspensão temporária (esperemos que seja só) dos subsídios de férias e de Natal para a função pública não se constitui como um imposto, mas antes, como uma revisão unilateral do contrato de trabalho. Ou seja, enquanto o Governo na sobretaxa deste ano actua como "gestor" da Coisa Pública, quanto aos cortes anunciados para o OE 2012, age como patrão. Daí que se abstenha de estender a suspensão aos privados dos ditos subsídios, pois seria uma violação de contratos estabelecidos entre partes, para os quais o Estado não é tido nem achado.
Trata-se de um eufemismo, que legalmente faz toda a diferença, mas todos sabemos que se não se trata de um imposto, é uma imposição sobre uma parte significativa da população.
Fica de fora a suspensão para pensionistas para a qual, sinceramente, não vejo qual o seu enquadramento legal, porquanto as pensões são calculadas segundo fórmulas consignadas em lei. Aguardo explicação.

Para além, não do murro no estômago, mas da violenta carga de pancada no corpo todo da classe média portuguesa, há a assinalar e a saudar que, ao fim de quase seis anos, de Presidência do Prof. Cavaco Silva, pela primeira vez, sem ser através do Facebook, se assumiu (ao assumir as dores) como o Presidente de todos os portugueses, chamando à atenção DO GOVERNO para as injustiças fiscais, económicas e, sobretudo sociais, que a política (calaceira, segundo o Eng. Belmiro de Azevedo) adoptada está a introduzir na sociedade.

Muitos consideram relevantes as declarações do Sr. Presidente da República só por elas estarem em dessintonia (esta palavra não existe, mas aplica-se) com o Governo. Eu penso que é muito mais do que isso: é um aviso de que uma maioria na Assembleia da República não é tudo na vida democrática.

18 outubro 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- OE 2012: O Orçamento de 2012, que os portugueses ainda não conhecem, mas que o senhor Primeiro-Ministro se apressou a descobrir no que diz respeito aos cortes nos vencimentos da função pública, não deveria ser apresentado na Assembleia da Republica, mas nas igrejas de qualquer religião, pois não se trata de ciência político-económica e financeira, mas de um simples exercício de fé, ou pior, da crendice. O Governo, mal preparado que estava para governar (comentadores dixit), elabora um OE que acredita venha a resultar.

- Manifestações dos indignados: dizia Wilhelem Reich que não se admirava de muitos pobres roubarem, admirava-se era dos muito mais que não roubavam. Se Reich colocou a questão nunca respondeu ao porquê da pobreza ser subserviente e muitas vezes agradecida a quem a espolia e lhe deixa apenas umas migalhas. Os indignados, se bem que tenham razões para se indignar, na sua esmagadora maioria não são ainda verdadeiramente pobres no sentido de não terem comida e um tecto.Quando o forem, que atitudes tomarão? Estarão avisados e preparados os próprios para se insurgirem nessa ocasião, ou ficarão acabrunhados de mão estendida?

- Selecção Nacional de Futebol: os portugueses esperam sempre afogar as suas mágoas nos êxitos futebolísticos. Normalmente as contas saem furadas, como no resto. A selecao nacional de futebol não lhe deu esse lenitivo ao perder a hipótese do apuramento directo para o Europeu quando lhe bastava pura e simplesmente ter retirado a bola ao adversário (parece fácil), bastava um empate a zero e lá iam uns quantos (como se fossemos todos) apitar para a rua. Podem discutir-se técnicos e jogadores, estes ou outros, melhores ou piores, mas o que é facto é que a Selecção ainda não se conseguiu consistência competitiva para o seu lugar no ranking FIFA que faz esperar dela este mundo e o outro. Deste mal padecem, no momento, outras selecções, nomeadamente as da França e a de Inglaterra. Só que esses sofrem de crise conjunctural; a nossa é estrutural. Como no resto.

- Frases da semana: "Este Orçamento é meu, mas o déficite não é meu". Ó senhor Primeiro-Ministro, então explique lá,como se todos os portugueses tivessem quatro anos, quais as razões para os esforços adicionais contemplados no OE:

- O Livro da Semana: A Oeste Nada de Novo, de Erich-Marie Remarque, porque neste canto da Oeste da Europa infelizmente não se passa nada que não se antevisse e porque tem características idênticas às do OE 2012: não é escrito por um autor "maior", não é um grande livro, mas ficou para a história.

14 outubro 2011

CONTA-ME COMO FOI

Espero ansiosamente que a nova RTP (sem dúvida, privatizada),o mais depressa possível, apresente a segunda série do "CONTA-ME COMO FOI" passado entre os anos de 1985-2015, para:
Poder dizer,
"- É pá, é verdade, foi quando ficámos sem o subsídio de férias e de Natal, anos seguidos."
Dizer aos netos,
"- Tu já eras nascido, mas não te lembras. O avô tinha-te prometido uma bicicleta para o Natal e depois só te pode dar um chocolate."
(Comentário do neto: - Vocês eram assim? Isto para o fim Qy parece mas é a temporada 20 do Walking Dead)
"- Olha, olha, olha, foi aquele Primeiro-Ministro, o Miguel Relvas, que dizia que não aumentava os impostos..."
A avó corrigir do lado,
"- O Primeiro-Ministro, era o Passos Coelho, quem mandava era o Relvas, mas o Passos Coelho é que era o Primeiro-Ministro."
Com nostalgia,
"- Qu' engraçado: está muito bem apanhado este fulano a fazer de Presidente da República a comer bolo-rei. Como é que ele se chamava?"

Antevejo:
Apaga-se a televisão, e a minha mulher, enquanto me ajuda a descobrir às escuras (não se pode gastar electricidade, ou televisão, ou luz) o caminho para o quarto pergunta se já tomei os comprimidos.
- Já não tenho comprimidos para tomar, deixaram de ser comparticipados. Isso é vício de ricos.

11 outubro 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- Steve Jobs - Morreu um dos fundadores da Apple. Steve Jobs deveria ser a única pessoa no Mundo que quando dizia um "ai" criava algo de novo. Desde o passado dia 5 de Outubro que o logótipo da Apple faz mais sentido: sabe-se qual é o pedaço da maçã que falta.

- Implantação da República - Sou republicano, mas parece-me que a cada ano que passa faz menos sentido assinalar a implantação da República em Portugal com um dia feriado. A maior parte dos portugueses desconhece o que se comemora nesse dia, bem como o porquê do 10 de Junho ser o dia de Portugal (de Camões e das Comunidades, tudo no mesmo saco). Os marcos históricos de maior relevo da nossa História não devem ser perdidos nas brumas da memória, mas não é de certeza com feriados passados na praia, ou nos centros comerciais que tal desiderato será atingido.
Por que não comemorar o 5 de Outubro...de 1143, data do Tratado de Zamora, pelo qual Portugal foi reconhecido como país independente.

- Nacionalização do Banco Dexia - Já nem vale a pena falar da mentira ideológica que nos querem impingir de que seremos muito mais felizes com a erradicação do Estado da economia e deixando as empresas (sobretudo as financeiras) funcionarem a seu bel-prazer. O banco Dexia foi nacionalizado em nome da preservação do sistema económico-financeiro francês que o próprio ajudou a destruir, não constando que os lucros e dividendos que distribui durante anos tenham sido compartidos pela sociedade. Vale, pois, a pena atentar na mentira produzida pela Autoridade Bancária Europeia quando há cerca de dois meses, após os testes de stress, dizia que o referido banco estava de boa saúde e era dos melhores. Estamos mergulhados numa enorme mentira quanto ao sistema económico-financeiro em que estamos montados. Ainda falavam do Dr. Vitor Constâncio...

- Ocupem Wall Street - Esta é a frase que qualquer publicitário se orgulharia de ter criado. E tem mais força a frase do que o movimento de ocupação. É um movimento que gera simpatias porque hoje em dia são muitos os deserdados da sorte e que já não têm origem apenas nas classes mais baixas, a classe média está a ser progressivamente arredada dos benefícios da riqueza gerada no mundo. Além do disso, o movimento têm ainda o acolhimento complacente de gerações do Maio de 68 com a sua frase emblemática "a imaginação ao poder".
O nosso António Aleixo dizia: "...calai-vos, pois pode o povo querer um Mundo novo a sério"

- Livro da Semana - Meditação Sobre Ruínas, de Nuno Júdice, recomenda-se ao Governo e à Oposição para que aprovem um Orçamento de Estado para 2012 consensual e que tenha em conta que os portugueses não devem viver acima das suas possibilidades, mas também não devem viver abaixo das suas necessidades. É pedir muito? É, mas pedir não custa.

10 outubro 2011

Um dia...

Um dia, vou ter tempo para ler todos os livros que quero ler?
Um dia, hei-de conseguir escrever tudo o que quero escrever?
Um dia, serei capaz de amar todas as pessoas que quero amar?
Um dia, colherei todos os reconhecimentos pelos quais anseio?
Um dia, conseguirei ver Deus sem uma ponta de dúvida?

Ainda bem que esse dia não existe, por que senão, respiraria, mas estaria morto.

07 outubro 2011

Liberdade na Madeira

Ao assistir às reportagens televisivas em directo sobre as finanças da Madeira e sobre as acções de campanha do Dr. Alberto João Jardim, tenho a nítida sensação de que o dinossauro já não mete o medo de antigamente e já se pode falar mais à vontade na presença do dito. Nunca tinha visto tantos jornalistas do continente a fazerem in loco perguntas incómodas e comentários sarcásticos ao Presidente da Região Autónoma.

04 outubro 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- 100 dias de Governo: cem dias de Governo não dão indicação nenhuma do que um Executivo é capaz. O balanço de 100 dias, é assim como uma espécie de apresentação do rapaz aos pais da noiva. No entanto, os progenitores da nubente, mais o pai do que a mãe, são capazes de descortinar de imediato onde é que a coisa falha. Para já, falha na total falta de preparação para assumirem as rédeas da governação. É impensável que um partido que é inevitavelmente alternativa de poder não tenha feito o trabalho de casa.

- Isaltino de Morais: mais um facto que me dá arrepios e me faz ter muito medo da justiça. Dizia-me em tempos alguém muito próximo da Justiça que o mal é ela olhar para nós e aí não basta sermos inocentes, é também preciso que as coisas corram bem. Será que a um cidadão comum o caso se tinha decidido com tanta celeridade?

- Relatório sobre as Contas da Madeira: é preciso que antes das eleições de 9 de Outubro se diga, alto e bom som, à população da Madeira que independentemente de se encontrarem, ou não, ilícitos criminais na actuação do Dr. Alberto João Jardim, o regabofe acabou. O senhor Ministro das Finanças não mostrou ter tom de voz suficientemente elevado para cumprir tal missão.

- Livro da Semana: A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson, em que uns garotos conseguiram ser mais espertos que todos os piratas, recomenda-se ao Dr. Alberto João Jardim.

30 setembro 2011

"As Ondas", Virginia Wolf

É-me impossível escrever sobre As Ondas, romance de Virginia Wolf, sem cair no lugar comum de citar Jorge Luís Borges: não há argumento, não há conversa, não há acção.
Virgínia Wolf utiliza as falas de cinco personagens que se referem a um sexto que nunca aparece para ela (se) expor os sentimentos, ilusões, explanar os pensamentos. Mas se as falas dos personagens são escritas em discurso directo, elas não se dirigem a ninguém, nem sequer ao leitor. Virginia Wolf fala consigo própria ao sabor e ritmo do seu pensamento. Pensamentos que, em fluxo e refluxo, se formam e se perdem como as ondas.

Não tendo argumento, como diz Borges, As Ondas, é um livro que não apetece acabar (no sentido de lhe conhecer o fim) e pode ser sempre retomado em qualquer página ou saltado para várias páginas adiante. Pode ser lido como se lê um salmo da Bíblia: lê-se uma passagem e fica-se a desfrutar.

Para ser um grande, grande livro falta-lhe arcaboiço (o que quer que isto signifique). Também escrevi ao sabor do que senti), mas, sem dúvida, a ler.

28 setembro 2011




Um Amor Sem Tempo está na lista dos concorrentes ao Prémio Literário Casino da Póvoa 2012.
A partir de agora é que é a sério. Será que entra na short-list?

27 setembro 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- D. José Policarpo é um homem de pensamento inteligente e sereno. Tão inteligente e tão sereno que muitas vezes torna convincentes as suas defesas (legítimas) das posições mais conservadoras da Igreja Católica. No entanto, na última entrevista que deu ao JN teve um grave deslize ao afirmar que "ninguém sai de mãos limpas da política" para justificar o não envolvimento dos bispos na política directa.
A frase, por não ter sido (propositadamente?) explicada é passível das mais variadas interpretações que lançam labéus sobre os políticos: corruptos?, falta de ética?, mentirosos?, incompetentes? Estes "pecados" não estão todos no mesmo patamar e há muitos políticos que não são nada disto.
Quem tem telhados de vidro...arrisca-se a que se lhe responda: "não queremos ser padres, porque sabemos aos pecados a que isso conduz".

- A entrevista - muito fraca - do Primeiro-Ministro à RTP teve um momento alto: o não caucionamento dos desmandos do Dr. João Jardim na governação da Madeira. Dirão que o PM não tinha outra hipótese. Não teria, mas o Primeiro-Ministro evitou as piruetas e malabarismos a que estamos habituados e retirou a confiança (não apenas a política) ao governante da Madeira. Eu não preciso de mais, parabéns Dr. Passos Coelho.

- Segundo o Correio da Manhã, só os quadros de Miró detidos pelo BPN valem o dobro do que o Eng.º do PSD, perdão, o BIC pagou pelo banco. Sabemos como são estipulados os valores de obras-de-arte, e estas só valem efectivamente se houver compradores interessados. Mas o facto relevante é a forma como foi gerida a nacionalização e privatização do banco. Grave: ainda ninguém foi condenado (lembram-se do Madoff?) e todo este tempo serviu apenas para um Tribunal se declara incompetente para julgar uma queixa.

- O contorcionista e malabarista de serviço, Dr. Miguel Relvas, declarou que a auditoria à contas da Madeira era técnica e não política. Tentou enganar os portugueses o Dr. Miguel Relvas. A auditoria é técnica para avalizar ou condenar as políticas de um político.
O Dr. Passos Coelho perderá pontos na sua credibilidade se a auditoria não for conhecida antes das eleições na Região Autónoma.

- Livro da Semana: A Rapariga Que Sonhava Com Uma Lata de Gasolina E Um Fósforo, Stieg, Larsson, recomenda-se à Sr.ª Merkl que insiste em comportar-se como pirómana.

20 setembro 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- As contas da Madeira: Sobre o Dr. Alberto João Jardim nada vale a pena dizer. O próprio, com os seus actos e actuações, já disse muito de si. E sobre as contas do arquipélago próximo de África já se fizeram todas as acusações (menos a da PGR) e defesas.
A omissão da despesa, "porque sim", diz muito sobre a perpetuação do e no poder: encandeia e dá a sensação vertiginosa de que tudo é possível e que mais anos de poder virão para tornar o impossível possível.

- O povo da Madeira: Tão português como os minhotos, os algarvios, os açoreanos, os beirões, etc, etc. Tenho a certeza de que os portugueses desejam que os madeirenses "calquem" o Dr. Jardim onde mais lhe dói: uma derrota eleitoral. E tenho a certeza de que os madeirenses sabem disso. Não parece fácil, mas é possível.

- Cortes na despesa do Estado: Quando na oposição, o PSD e CDS dizia ter receita "milagrosa" para a redução do déficite do Estado cortando na despesa; já no Governo do PSD/CDS, o senhor Ministro das Finanças disse que para fazer face a um desvio orçamental, que alguém tinha apelidado de colossal, iria "arranjar" mil milhões de euros do lado da despesa (atenção: cortes nas comparticipações de medicamentos e aumentos de taxas moderadoras, são impostos). Finalmente foram anunciados efectivos cortes na despesa que poupam cem milhões de euros por ano. Continuamos a aguardar a "choruda" fatia de cortes na despesa, pois só assim teremos algum descanso quanto a mais aumentos de impostos.

- Semana da Mobilidade: a semana que nos fez pensar quão "imóveis" nos obrigam a ser. Bastou-me uma lesão com pouca gravidade numa costela para dar conta que a porta de acesso à agência bancária do BES onde vou há anos tem um degrau de cerca 30 cm de altura.

- Livro da semana: Gente Independente, de Halldór Laxness. Romance passado numa grande ilha, a Islândia (pop. cerca de 300000 habitantes). A independência não se ganha com chico-espertismos, populismos e traulitada. Ganha-se com trabalho sério, perseverança, cabeça erguida.

15 setembro 2011

Quem tem medo de Virgínia Woolf?

A primeira vez que contactei com Virginia Wolf não foi através da própria,mas de Mike Nicholas, realizador de "Quem tem medo de Virgínia Wolf?", baseado na peça homónima de Edward Albee.
O único receio que me atormentou foi ter uns quinze anos quando o filme estreou e ser para maiores de 18 anos. A tarefa de entrar no cinema para fitas de maiores de idade era espinhosa mas exequível. Punham-se uns óculos escuros, comprava-se bilhete para a primeira matiné (sessão das três) de um dia de semana e lá íamos. Se o porteiro perguntasse pelo BI, puxava-se da carteira, procurava-se afanosamente e dizia-se ter de o ir buscar a casa. Via de regra, o porteiro franqueava a passagem. Ficávamos convencidos que a permissão de entrada se devia ao plano superiormente arquitectado e não à condescendência do porteiro.

No fim do filme fiquei curioso em conhecer Virginia Wolf porque aquela personagem que Elizabeth Taylor encarnava não era Virginia Wolf. Li, então, Mrs. Dalloway. Em boa verdade não me recordo qual a minha reacção à obra. Por isso, passados mais de quarenta anos vou-me reencontrar com Virginia Wolf, vou ler As Ondas.

Mas, quando deparei na estante com As Ondas a primeira ideia não foi conhecer melhor a escritora, mas agradecer aos porteiros dos cinemas (já desaparecidos) Roma, Alvalade, Império/Estúdio, Monumental, Estúdio 444, por me terem dado acesso a muitos e muitos filmes antes da idade que a moral vigente considerava adequada.

13 setembro 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- Congresso do PS: Os congressos partidários são por via de regra sessões litúrgicas chatas (exceptuando aquela em que Luis Filipe Menezes chorou) viradas para dentro e das quais não se esperam grandes tiradas para os problemas do país. O congresso do PS que decorreu em Braga não fugiu a regra. Talvez o local mais adequado para a sua realização fosse a margem sul do Tejo porque quanto a ideias foi um deserto.

- Falta de preparação dos Ministros: O Ministro Paulo Macedo anunciou que iria reduzir a despesa na Saúde deixando de comparticipar a pílula e três vacinas. Face à contestação generalizada, pirueta, e disse ser apenas uma hipótese em estudo. Sendo assim, pergunta-se: porque anuncia o Governo apenas esta hipótese? Se esta é uma possível solução, quais as outras? Ou o Governo só estuda uma solução de cada vez?

- Grécia: O berço da Civilização Ocidental está na falência. A Civilização Ocidental esta-se nas tintas para o seu berço. Alias, os berços costumam ser arrumados partidos, desconchavados, numa arrecadação ou um sótão.


- 11 SET. 2001 a 11 SET. 2011: Dez anos que não descansaram o mundo.

- Livro da semana: O Idiota, Fiódor Dostoievsky. Todas as semanas tenho tido a tentação de recomendar este livro a alguém. Tenho-o evitado temendo o efeito boomerang. Mas esta semana não há hipótese de fuga: O Idiota para o Comissário Europeu Alemão Günther Oettinger que disse que as bandeiras dos países endividados deviam ser colocadas a meia haste nos edifícios europeus.

11 setembro 2011

9/11

1 - Dez anos transcorridos após o ataque terrorista às Torres Gémeas (e ao Pentágono) estamos tão vulneráveis como estávamos antes e com uma maior sensação de insegurança, porque há dez anos, a esta hora que escrevo, ainda não nos passava pela cabeça que uma insanidade como aquela que muitos de nós assistiram em directo fosse exequível. O facto de passarmos a considerar reais estes atentados e as autoridades terem fechado mais alguns buracos nas malhas do terrorismo, não significa que muitas portas de entrada não continuem abertas. Se nos detivermos na facilidade que há em adquirir material para fabricar bombas, da facilidade de encontrar na internet métodos de fabricar bombas, das mais artesanais a algumas com elevada sofisticação, questionamo-nos como é que não há mais atentados.

2 - Qualquer acto terrorista é abominável, independentemente, das suas causas e proveniências. Não alinho, pois, com as vozes "sou contra, mas...é preciso ver que; é preciso ir ao fundo da questão". Perante um acto terrorista não há compreensão possível. Os responsáveis devem ser procurados e castigados.

3 - Não sou americano por acaso, a minha avó materna esteve dezasseis anos emigrada em Boston, e por a ouvir falar e contar coisas da sua América e de a ouvir falar no seu americano que me encantva em que muitas consoantes eram engolidas, desde muito miúdo que sou americano (como também vim a ser outras nacionalidades por outros motivos) e quando vi o segundo avião embater na segunda torre, foi como se esse avião tivesse chocado contra a minha avó.
No dia 11 de Setembro de 2001 passámos a ser todos americanos. Quer queiramos, quer não, não o éramos já antes? Não é porventura a América o país que mais emigrantes recebeu em trezentos anos, de origens, cores, línguas, credos mais diversos? Nós que no pós-guerra crescemos com o Super-Homem, Hemingway, o Empire State Building, John Ford, Beach Boys, o Oeste Selvagem, a Coca-cola (proibida), o Flower Power, Orson Wells, o Windows, Comarck Maccarthy, Spilberg, o Blogger do Google, pelo qual estamos a comunicar, as Torres Gémeas, não éramos já americanos?

4 - Em memória de todas as vítimas de todos os atentados terroristas.

09 setembro 2011

O mundo de José Manuel Fernandes está a acabar, e ele ainda não deu conta

Não sou amigo de José Manuel Fernandes (JMF), nem sequer no Facebook (só porque ele já atingiu a cifra mágica do tecto de amigos. Se ele quiser fazer-se meu "amigo" ainda tenho muitos lugares vagos) para lhe poder dizer que o mundo dele está a acabar, e ele ainda não deu conta. Isto em contraponto ao cabeçalho da sua crónica semanal no Público que diz: "O mundo de Mário Soares acabou, e ele ainda não deu por isso".
Insurge-se JMF contra Mário Soares porque o ex-Presidente da República prometeu numa entrevista na rádio "uma revolução a sério".

A diferença entre os dois, é que Mário Soares sempre pensou politicamente mais além do que os outros, em Portugal e até no estrangeiro, enquanto José Manuel Fernandes pensa no comentário político do curto prazo.

Mário Soares promete uma "revolução a sério" porque sabe que sempre existiram revoluções (e guerras) e que sempre existirão causas para as despoletar.

JMF transcreve as palavras de Mário Soares, mas não tira daí as devidas ilações: "Se esses mercados continuarem a mandar, nós vamos para o fundo e então tem que haver outra revolução, mas uma revolução a sério..."
É no "então" que está o cerne da questão. Mário Soares não advoga uma revolução para não pagarmos a dívida. Diz que quando os mercados derem cabo de nós, quando já não houver tábua de salvação, haverá uma revolução. Os mercados serão os causadores da revolução. A revolução não será feita para não liquidarmos as dívidas.

JMF socorre-se de Tony Judt, Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos, (é sempre bom ter um intelectual de renome à mão, sobretudo se faz um percurso idêntico ao JMF da esquerda marxista para a direita)), "para recordar como foi mas não voltará a ser" referindo os tempos em que Mário Soares cresceu como político e em que o dinheiro "aparecia sempre"...
Só um pormenor que me poderá ter escapado (ou a JMF), ou então não percebi nada (é possível) do que li da obra de Tony Judt: este aclamado historiador, crítico de várias experiências socializantes e da Terceira Via de Tony Blair (que Mário Soares também criticou), não defende o liberalismo, arcaico, neo ou ultra, como a solução para os "nossos actuais descontentamentos". Inclusivamente, lamenta o crescimento das políticas neo-liberais de Thatcher e Reagan.

JMF ainda não deu conta que há efectivamente mundos que acabam, mas que alguns são supernovas - nome dado aos corpos celestes surgidos após as explosões de certas estrelas que produzem objectos extremamente brilhantes, os quais declinam até se tornarem invisíveis, passadas algumas semanas ou meses. Também o liberalismo se comporta como uma supernova, explode (foi ele que nos trouxe à actual crise), produz corpos extremamente brilhantes (soluções que parecem milagrosas como o funcionamento livre dos mercados levado ao extremo) e depois fenece.

06 setembro 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- Cortes na despesa: A estratégia de comunicação do Governo revela efectivamente algumas debilidades. Quando todos exigem que o Governo anuncie finalmente os cortes na despesa do Estado, o Executivo esquece-se de informar uma poupança: desde meio de Julho que não existe Primeiro-Ministro.
Fontes bem informadas, próximas de meios liberais, dizem que se trata de um teste a ver se o lugar pode ser privatizado, indo além das exigências da troika. Informam ainda que o teste tem sido satisfatório pois ninguém tem dado pela falta do Primeiro-Ministro.
O próximo teste será feito com um licenciado em contabilidade como Ministro das Finanças que, pelos vistos, não precisa mais do que fazer balancetes a apresentar à Sr.ª Merkl. O Dr. Medina Carreira diz que não é oportuno privatizar o Ministro das Finanças, porque dão pouco por ele.

- Oposição: O PSD não estava preparado para ser Governo. O PS não estava preparado para ser Oposição.
É normal que os partidos de Governo, quando em funções, descurem a sua capacidade de mobilização, a sua actividade partidária, e até, que mantenham o partido amarrado e sossegado para não fazer ondas. Se é normal, era evitável. Se bem que o Congresso do PS, de onde sairão os órgãos dirigentes, ainda não se tenha realizado, é muito incipiente o desempenho do novo Secretário-Geral.

- José Eduardo Moniz na RTP: Não é de estranhar que os influentes se movimentem à vontade de um lado para o outro sempre em alta. O que é estranho é que alguém que é quadro de uma empresa - Ongoing -, que tem interesses no media, concorrente da RTP, seja convidado para um programa semanal de "comentário da actualidade" na televisão do Estado.
Diz-se que a Administração da RTP se opôs a esta contratação, pois o convite teria sido endereçado pelo Director de Informação. Estamos em crer que este recuo (veremos se definitivo)terá sido feito a "conselho" do Ministro Miguel Relvas.
Aguarda-se a todo o instante um SMS de Manuela Moura Guedes.

- Líbia: O Conselho Nacional de Transição na Líbia, órgão não democraticamente eleito, tem poderes para decidir a distribuição dos recursos naturais da Líbia ao Clube dos Amigos da Líbia, mas não tem capacidade de decidir como será feita a recolha das armas nas mãos dos rebeldes.

- Frase da semana (Ministro das Finanças, na conferência de impressa): "É.......minha........desejabilidade........".
No dicionário Priberam on-line: palavra reconhecida pelo FLiP mas sem definição;
No dicionário Porto Editora, 4ª Edição, muito corrigida e aumentada (sic): não consta.
É minha desejabilidade que seja feito rapidamente novo Acordo Ortográfico para introdução da palavra.

- Livro da semana: "O Homem Lento", de Cotzee, recomendado ao senhor Ministro de Estado e das Finanças, por razões óbvias (nada tem a ver com características pessoais, tem a ver com a dificuldade em apresentar cortes na despesa) e porque o livro é muito bom.

04 setembro 2011

Casa da Achada, Centro Mário Dionísio


Meramente por acaso, graças ao Facebook, descobri a Casa da Achada, Centro Mário Dionísio, que funciona na Rua da Achada, na Mouraria, e é dedicada ao escritor, pintor, ensaísta, professor, activista político Mário Dionísio, falecido em 1993.

Tendo sido seu aluno de francês, no Liceu de Camões, nos idos de 60,aqui deixo o meu testemunho:
Mário Dionísio como professor era uma figura pouco amável e simpática com os alunos, dado a poucas manifestações de satisfação; temível e temido nas suas chamadas ao quadro, à leitura, pelos pontos; laivos de intolerância contida para com a mediocridade; arrebatamentos de impaciência para com a ignorância; não havia desculpa, nem perdão, para a falta de estudo.
A sua maior prova de amizade pelos alunos não era um sorriso, uma palmada nas costas, um fechar de olhos a deixar passar em claro qualquer falta (menor), era a sua qualidade de ensino. Mas Mário Dionísio era um professor justo porque só exigia ao nível do que ensinava e como o seu ensino era de altíssima qualidade, a contrapartida tinha de ser idêntica.

Quando entrei na Casa da Achada, reencontrei-me imediatamente com o meu Professor, pois passava numa pequena televisão uma entrevista gravada com ele. Não com ele em imagem, mas na voz que enchia todo o espaço. E foi com aquela voz nasalada de fundo, que muitas vezes saia de um canto da boca, enquanto que o outro canto segurava o cachimbo, que segui a obra pictórica exposta nas paredes e que não conhecia (pode comprar-se por 10 € um livro de boa qualidade com a reprodução dos quadros).

Mário Dionísio foi um intelectual de elevada craveira, um professor inesquecível, merece pois que a Casa da Achada seja visitada.
Hoje, em que se contam os tostões para tudo e para o entertenimento, ir ao Centro Mário Dionísio e depois passear pelas ruelas e escadinhas da Mouraria é um programa a ter em conta para toda a família.

Se, quando fui seu aluno, lhe dissessem que um dia também eu publicaria uns romances, torceria o nariz com toda a certeza, mas que ele é um dos grandes "culpados", isso é. Bem-haja, Professor Mário Dionísio.

02 setembro 2011

Líbia, mais uma guerra em directo

1 - A guerra em directo, ou tumultos sociais, já não constituem espanto (a primeira transmissão do género, de que me lembro, foi a reportagem do Adelino Gomes no ataque ao RALIS em 11 de Março de 1975) e já ninguém aceita receber notícias destes factos de outra modo que não seja o repórter em cenário de guerra dentro do cano de uma qualquer arma.

As imagens que nos chegam da guerra em directo da Líbia são isto, mas são tudo menos a realidade da guerra. Ao visionarmos uns grupos de rebeldes vestidos com camisolas do Paris St-Germain e bonés da NBA empunhando armas, que disparam para o horizonte se em luta, ou para o ar se satisfeitos; grupos de rebeldes que avançam e recuam nas estradas (esta tem sido uma guerra de estrada) em cima de pick-ups com improvisados suportes de órgãos de Estaline que disparam contra um inimigo que nunca se vê, identificamo-nos imediatamente com os "bons" porque é o lado em que se encontra o nosso repórter, às vezes abrigado atrás de um muro do terraço de hotel, e nos alienamos do âmago do problema árabe, que é efectivamente um problema euro-árabe-americano.

A guerra em directo, para além do voyeurismo que tem sempre implícita a observação de um evento proibido - proibido porque atenta aos bons costumes, ou porque é perigoso -,e do aspecto lúdico que já atingiu, quase foros de jogo de play-station para o que será apenas necessário o espectador dispor de um botão de interacção, a guerra em directo precisa que lhe estejam associados mecanismos de descodificação e de pensamento.
Assim, para além do efeito imediato (pouco espectacular, diga-se) das imagens da Líbia, convém meditar no que vemos, e interrogarmo-nos:
- Quantos rebeldes com armas existem?
- Qual o seu centro de recrutamento?
- Existe uma organização, uma hierarquia, uma disciplina, uma estratégia, no seio dos revoltosos? Ou várias? Ou nenhuma?
- Quantas baixas houve de parte a parte?
- Após a queda dos khadafis irão os rebeldes entregar docilmente as armas e voltarem pacificamente para o seu lugar no desemprego?
- Onde está o exército Líbio?

2 - Khadafi é um terrorista, reformado, mas é um terrorista, e as potências ocidentais resolveram esquecer, passar uma esponja sobre o atentado de Lockerbie, a troco de uns barris de petróleo e de uns metros cúbicos de gás natural. Vêm agora dizer que o inquérito está sempre em aberto.

Khaddaffi é um ditador em queda, não reformado, mas que foi cumprimentado por todos os líderes ocidentais ou seus representantes; é um ditador que assentou arraiais com a sua tenda em vários países, incluindo Portugal. Sempre a troco dos barris, dos metros cúbicos e de eventuais negócios.

Khaddaffi é agora bombardeado pela NATO, que não bombardeia a Síria, e que o acolheu na Cimeira de Lisboa; é aconselhado pelos seus "ex"-aliados a entregar o poder ao Conselho Nacional Transitório com o qual já negoceiam os barris, os metro cúbicos, os negócios. O CNT já garantiu 35% do petróleo à França.

Ontem, o presidente Sarkozy reuniu em Paris uma plêiade de líderes mundiais denominados "Amigos da Líbia".
Pergunta-se o que são os Amigos da Líbia, nos quais Portugal se inclui: são os "ex"-amigos de Khadafi? são os amigos do CNT? são os amigos da Líbia independentemente do regime político em vigor?

A representante da Comissão Europeia não esteve presente. A União Europeia não é Amiga da Líbia?
Mais uma vez a Europa (era hora de acordar doutor Durão Barroso) não tem uma política comum para lidar com os países muçulmanos da bacia do Mediterrâneo.

Pode não parecer, mas esta reunião foi mais uma faceta da guerra. Não foi transmitida em directo.

3 - O Primeiro Ministro, Dr. Passos Coelho, fez uma declaração de "fundo" sobre a guerra na Líbia: "é uma espécie de 25 de Abril". Talvez fosse de pedir umas lições ao seu empregador (julgo que manterá o vinculo às empresas), Eng. Ângelo Correia, especialista em temas (e negócios) árabes. O fim de uma ditaduras, com durações semelhantes, não fazem do processo bélico e político com que sejam parecidas. A génese das ditaduras árabes nada tem a ver com a das ditaduras de cariz fascista de meados do séc. XX; o fim das longas ditaduras árabes ainda não mostrou qualquer fruto de uma vivência democrática, tipo ocidental, nem se sabe se tal virá a ser exequível num médio-prazo.
Convinha estudar, porque os países árabes da bacia do Mediterrâneo são mercados de exportação a ter em grande consideração.

30 agosto 2011

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA


- Eu nada tenho contra os muito ricos, mas...
É o começo das frases quando tenho tenho tudo contra, especialmente a inveja, a inveja recalcada resultante da nossa cultura judaico-cristã. A inveja é inerente à natureza humana, saibamos viver com ela.
Desta vez é verdade, não tenho nada contra os muito ricos. Estão muito distantes. Eu estou é contra os que estão nos dois escalões de IRS imediatamente a seguir ao meu. Desses é que tenho inveja, pois ainda há possibilidade de os alcançar.

- No meu prédio houve alguns assaltos a garagens. Em reunião de condóminos apareceu a ideia de instalarmos video-vigilância com gravação. Ia-se já avançar para pedidos de propostas, quando questionei: quem vai ter acesso às as imagens? Quem vai visualizar algum(a) vizinho(a) a ser acompanhado(a) por alguém que não pretende dar a conhecer?
Resolvemos, então, que caso pretendêssemos informação sobre vizinhos a solicitaríamos aos elementos do SIS, ou do SIED, caso o acompanhante fosse de nacionalidade estrangeira. Sobre assaltantes continuaremos a comunicar à PSP, bem como dos veículos mal estacionados que impedem o acesso à garagem.

- O FCP foi derrotado pelo FCB. Nada de espantar, no abcedário o B vem primeiro que o P.
Dizem umas vozes que a Marisqueira de Matosinhos estava fechada. É, ou não é a inveja a falar? É. Inveja...e receio.

- Hoje, foi anunciado que amanhã são apresentados os "cortes históricos" na despesa do Estado. Já tinha acontecido, mas parece que agora é mesmo. Não se enganem, não vá algum dos cerca de 500 novos nomeados ser desapeado e contabilizado na redução. Com tanta ansiedade só esperamos saber a formação da equipa do Chipre que irá jogar contra Portugal.

- Quanto às primaveras (e verões) árabes na bacia do mediterrâneo, sabe-se que na Europa apenas têm opinião as casas de apostas sobre se se vai, e quando, capturar o Kadhafi. A Europa tem uma senhora "ministra dos negócios estrangeiros" paga por todos nós, não tem? Para quando exigir um corte na despesa da Comissão Europeia? Uma senhora que nos faz espirrar sempre que dizemos o seu nome: Ashton.

- Livro da semana: "Suicídios Exemplares", de Enrique Villa-Matas, recomenda-se especialmente a Kadhafi, Straus-Kahn e a Álvaro Santos Pereira (sem dúvida um dos elementos do Governo que com o seu brilhantismo técnico levou a que a estratégia de Comunicação fosse centralizada em Miguel Relvas).



29 agosto 2011

"O Cemitério de Praga", Umberto Eco, GRADIVA

Umberto Eco não é um escritor, não se confina a ser apenas um escritor. Umberto Eco é um homem de Cultura, e de certeza que o sabe melhor do que ninguém. A escrita, nomeadamente a forma romanceada, para Eco não é um fim, mas tão simplesmente um meio, como o são as conferências, as aulas, as investigações, para explanar e partilhar todo o seu profundo saber e conhecimento.

E Umberto Eco, que tem dedicado grande parte da sua vida à interpretação dos sinais, nas suas obras de ficção, ele molda a História à luz dos sinais que dos factos e documentos que são conhecidos, e deixa o leitor sempre naquela perspectiva de que a História, tal e qual a conhecemos, poderá ter advindo de outras causas para além das oficiais e que a História poderia ter sido outra, se outras "inverdades" fossem tidas em consideração. E Umberto Eco não é tido como escritor, é uma personalidade de Ciência, pelo que os seus escritos, mesmo que romanceados, são considerados obras "científicas", logo com a carga de "verdade" que se julga inerente aos factos científicos.

Em "O Cemitério de Praga", que se desenrola nos finais do séc. XIX, o autor leva-nos,mais uma vez, ao reino da "outra verdade" - um falsificador de documentos, uma personagem com dupla personalidade, duplicidades, dissimulações, mentiras, espiões, seitas -, em que a História, ou seja os grandes acontecimentos da Humanidade, estão tão à mercê das grandes figuras, como de um notário perito em falsificação de documentos e ávido por dinheiro, porque "não existe documento mais verdadeiro do que um original falso".

O personagem principal, Simonini, o falsificador, é o único personagem ficcional que se move entre todas as figuras reais da época (poder-se-á perguntar se essas personagens não passam também à ficção quando contracenam com Simonini) e que dá corpo ao desenvolvimento de uma teoria da conspiração dos judeus para controlo do Mundo e de uma luta anti-semita e anti-maçónica levada a cabo pela Igreja. Os meios próximos da Igreja criticaram com maior acuidade "O Cemitério de Praga" do que "O Código Da Vinci", de Dan Brown, porque Umberto Eco não é um ficcionista "falsário".

"O Cemitério de Praga", em termos romanescos, não atinge a maestria de "Baudolino", e se não é um romance imperdível, deve considerar-se nas prioridades de leitura.

25 agosto 2011

John Updike e o imposto sobre os ricos

Um dia o doutor Passos Coelho pediu desculpa aos portugueses por ter acordado com o Primeiro-Ministro de então que não haveria aumento de impostos, e este, à sua revelia aumento-os; depois, em campanha eleitoral -
Corre, Coelho
- afirmou que o saneamento das contas públicas se faria pelo lado da despesa - contendo-a, diminuindo-a - e não pelo lado da receita, porque sabia muito bem onde cortar nas gorduras do Estado; depois, já como Primeiro-Ministro -
Coelho, Redux
presenteou os portugueses com um imposto extraordinário, sugando-lhes metade do subsídio de Natal por causa de um desvio colossal que nunca explicou; depois, o Primeiro-Ministro foi para férias -
Coelho em paz
; depois, em férias, deve ter sido informado que os ricos nos Estados-Unidos e em França "queriam" pagar mais impostos e que França, Itália e Espanha vão aplicar impostos extraordinários aos mais ricos; depois o Primeiro-Ministro aparece, hoje, na televisão a declarar que para a semana vai tratar do assunto para Portugal.

A hipocrisia não tem limites e efectivamente há quem queira estar sempre de guarda ao pote. Então se eram necessários mil milhões de euros para acorrer ao buraco, e se é possível agora arrecadar essa quantia com um aumento de 7% sobre as dezasseis maiores fortunas nacionais (contas da TVI), porquê ir pelo caminho mais fácil e penalizar primeiro todos os outros assalariados para além do senhor Américo Amorim.

O doutor Passos Coelho poderá um dia completar a tetralogia de John Updike com
Coelho está Rico
, mas não sei se algum dia poderá ambicionar ao
Coelho,recordado
pelas melhores razões.

24 agosto 2011

Eu sou contra o TGV e pelo comboio a vapor

O Álvaro Ministro (sigo a vontade do próprio tratando-o pelo primeiro nome, mas o respeito é muito bonito e senhor sempre é um Ministro da Nação), foi na semana passada a Madrid, a exemplo de Luís Filipe Vieira, para negociar o TGV. Se seguisse o exemplo de Pinto da Costa, eles, os espanhóis, que batessem a cláusula da rescisão do TGV para Portugal desistir dele, ou então nada feito.

O que mais espanta na viagem-relâmpago à capital vizinha foi o titubear do Álvaro Ministro quanto ao "faz-se", "não-faz-se" a alimária que iria, ou irá consumir milhões de euros, quando se sabe que este Governo foi escolhido, entre outras coisas, para que o TGV não se fizesse. O senhor Álvaro Ministro diz que precisa de estudar. Sendo um académico de nomeada em país de grande riqueza, está-lhe na massa do sangue enveredar pelo estudo. Pergunto, porque o senhor não explicou, estudar mais o quê?

O TGV não se justifica pela mais ponderosa das razões: deixariam de se poder captar aquelas fabulosas imagens de cinema da Anna Karenina envolvida no vapor de uma máquina fumegante, a não ser que a máquina do TGV traga incorporado o lançamento de fumos tipo discoteca; ou o comboio a aproximar-se lentamente, largando o vapor, enchendo o écran, na "Manhã Submersa"; ou a espera inquietante d' "O Comboio Apitou Três Vezes", já que o TGV não pára em apeadeiros; ou o comboio, sempre a vapor, a atravessar a estepe russa coberta de neve no "Doutor Jivago"; tantas e tantas cenas ferroviário/cinematográficas que seriam impossíveis se os TGV pululassem por aí, sem esquecer que em "Tão Amigos que nós éramos" seria irrealizável a cómica, impagável, digna dos irmãos Marx, cena das estaladas numa estação aquando da partida de um comboio (não tenho a certeza, mas julgo que este era eléctrico).

Na mesma senda das declarações de Álvaro Ministro, sem titubear, Carlos Moedas Secretário de Estado, ontem, na Assembleia da República, respondeu a todas as dúvidas da execução orçamental...não respondendo (segundo a peça da SIC Notícias). Provavelmente terá de ir estudar porque apresentando apenas aquele gráfico que mostrou, é chumbo pela certa.

Senhor Álvaro Ministro, e demais colegas de Governo, os portugueses votaram em que tinha imensas certezas, em quem detinha a verdade que os iria salvar da amargura e da miséria, em quem tinha no seu seio nomes afamados no mundo da economia e das finanças e que iam acalmar, se não mesmo subjugar, os mercados, por isso exige-se que actuem não seguindo apenas o contrato com a troika. Caso contrário, os portugueses, parece, preferem ficar a ver passar os comboios.

23 agosto 2011

Bem-aventurados os que só têm quatro canais generalistas, pois deles será o reino dos Céus.

Passe-se uma semana em zona de veraneio em casa com televisão só com canais de sinal aberto e facilmente se intui que se Cristo voltasse à Terra o Sermão da Montanha teria de ser actualizado. No conhecido sermão Cristo oferece a todos os desafortunados e sofredores terrenos um bem maior na vida eterna do que o que à partida está reservado aqueles que nesta vida são cumulados de benesses e riquezas.

Provavelmente rezaria assim:
Bem-aventurados os que só podem ver o Goucha, a Júlia Pinheiro, o Carlos Alberto Moniz, o Jorge Gabriel, a Fátima Lopes; bem-aventurados os que só têm para ver telenovelas sempre iguais e concursos destinados a humilhar os concorrentes; bem-aventurados os que só podem escolher entre filmes do Van Damme, Vin Diesel e Steven Segal; bem-aventurados aqueles que são perseguidos por séries de desenhos animados japoneses; bem-aventurados os que levam com as séries dos C.S.I., Investigação Criminal de seasons (é assim que se diz, não é?) fora de época.
Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a vossa recompensa na RTP2 (que já teve muito mais qualidade do que tem hoje).

Durante uma semana, em dois canais de sinal aberto públicos que merecesse ser visto, para além de poucos minutos dos noticiários, apenas se aproveitou um documentário sobre a Terra (tipo BBC)no segundo canal.Todo o resto, uma inigualável miséria franciscana, sendo certo que os Franciscanos são pobres por opção e não têm déficite (e tu, ó intelectual da treta, ó snob, está calado, se não gostas, não comas).

Dir-me-ão que as férias são os períodos que aproveitamos para fazer outras "coisas" e para deliberadamente não fazermos algumas "coisas", como ver televisão. Mas a RTP não "mete" férias, todos os meses me cobra uma taxa de difusão (na factura da EDP) tenha ou não tenha aparelhos receptores, e ao longo do ano mantém uma programação idêntica polvilhada com uns debates, e brinda-me com umas transmissões directas de touradas e do jogos de futebol que ajudo a pagar com os meus impostos. É isto serviço público? Não, e se é para continuar com esta programação, não há que hesitar, privatize-se a RTP, porque caso se privatize o canal 1, a diferença será apenas no regresso das telenovelas ao canal-mãe e aumento dos espaços publicitários.

Há apenas que definir Serviço Público de Comunicação Social. E nomeada que está uma Comissão presidida pelo Dr. João Duque (minimalista dos serviços públicos) esta tem apenas que superar as seguintes provas de redacção:
1 - Definir um Serviço Público de Televisão que encaixe na RTP e não o oposto;
2 - Ao contrário de outros serviços públicos, água, electricidade, vias rodoviárias e ferroviárias,etc, em que a exigência dos consumidores vai no sentido de uma maior qualidade, no serviço público de comunicação social as direcções da vontade da esmagadora maioria do público e do que se pretende (?) seja a nobreza (?) do serviço público, se não são opostas, são bastante divergentes.

Não me parece um trabalho de grande monta esta tarefa da Comissão, é um trabalho à partida facilitado porque não há nada para inventar que não esteja já inventado. E, para que a sua tarefa fosse verdadeiramente aligeirada falta-lhe apenas ter Jesus Cristo como membro com a incumbência de prometer uma televisão generalista melhor...no Reino dos Céus.






16 agosto 2011

"A memória do escritor não deve ser exacta", David Vann


David Vann, autor de "A Ilha de Sukkwan" (ainda não li), deu entrevista à Atual, cujo chamada de primeira página, é: "A memória do escritor não deve ser exacta, deve alterar as coisas. O que é interessante na ficção é o modo como distorcemos a realidade objectiva".

Quando escrevi o meu primeiro romance, cujo tema é a Identidade, de pessoas, lugares, palavras, épocas, debati-me com o facto de querer preservar a memória exacta dessas "coisas", caso contrário estaria a distorcer a sua identidade. Investiguei pois, tanto quanto possível, para não me afastar da "verdade histórica".

Facto primeiro, algumas das minhas memórias, que eu tinha por exactas porque vivi os acontecimentos, não coincidiam com os documentos da época. Não era demasiado grave, porque os elementos de recolha não tinham sido "exactamente" os mesmos. Mas aí deparei-me com a realidade de que a "realidade objectiva" não existe, depende do observador. Em meu auxílio, Protágoras, cerca de 450 anos antes de Cristo tinha resolvido a questão: o Homem (cada homem, digo eu) é a medida de todas as coisas.
Conclusão: o que eu escrevi foi a minha memória sobre determinadas identidades, e acabei por escrever sobre como as identidades são re-arranjadas de modo a encaixarem no universo de cada um.

Facto segundo, as minhas memórias tinham-se alterado à medida que ao longo da vida novos factos foram aparecendo e que, consciente ou sub-conscientemente, me levaram a elaborar sobre os acontecimentos iniciais perspectivas diferentes. E espantoso, ou talvez não, a memória "mais recente" desses acontecimentos é mais exacta, mais próxima da realidade, do que a memória original que os deveria ter registado com maior fiabilidade.

Facto terceiro, a memória não consiste na preservação do que sucedeu, mas na "construção" da nossa explicação para o que sucedeu.

Assim nasceu "O Homem que Viveu Duas Vezes", do qual tenho uma "vaga memória" do que inicialmente pretendia fazer.

(A propósito deste tema, recomendo um romance recente: "Deixem Falar as Pedras", de David Machado, D. Quixote)

12 agosto 2011

Da queda das maçãs e outros graves

Para mal e bem dos nossos pecados, a nossa mente, a de cada um, está formatada de modo a nos movimentarmos neste Mundo sem a obrigatoriedade de análise pormenorizada de cada passo que damos. Mas a dita formatação, que nos concede significativo descanso na movimentação diária das nossas vidas, impede-nos muitas, muitas vezes, de ver para além do óbvio, ou do engano e da ilusão. Por isso têm os filósofos emprego.

Um dia (pr' aí aos catorze anos), deu-me na cabeça de começar a ver tudo de novo e reinventar o que já estava inventado, de descobrir o porquê das "coisas" e não apenas utilizar as "coisas". E deu-me para iniciar a tarefa por perceber por que é que as maçãs caem, o que não deveria ser difícil já que tal fenómeno tinha sido entendido por um sujeito que dormia placidamente debaixo de uma macieira quando um dos frutos lhe atingiu a moleirinha. Não demorei muito a dar-me conta da impossibilidade do empreendimento, porque desde que os meus pais me disseram o primeiro gu-gu-da-da me começaram a formatar: eu já não conseguia pensar na queda dos graves sem me socorrer de Sir Isaac Newton e da aceleração da gravidade igual a nove vírgula quatro metros por segundo quadrado. Tentei varrê-los da memória. Impossível. Como se diz em linguagem de discos formatados: memória não "apagável".

Percebi que redescobrir o que já está descoberto com mente formatada leva a incorrer nas mesmas verdades, mas fatalmente e pior, também nos mesmos erros e vícios. Seria, pois, melhor aceitar o que estava descoberto e funcionava, mesmo com erros, ou descobrir algo de novo e/ou que funcionasse melhor. Em abono da verdade, desde a juventude até hoje, que porfio, mas ainda não fiz descobertas ou invenções que mereçam público reconhecimento (no entanto,já fiz muita coisa funcionar).

Nesta crise financeira/económica mundial, porque a pior, a atingir uma escala global, o que se exige aos governantes, e àqueles que aspiram à governação, é que descubram algo de novo. Infelizmente, temos visto os governantes e as instituições a quererem combater a crise com a mente formatada, o que é natural porque as memórias liberais não são "apagáveis", mas tentando negar que os erros das soluções até agora encontradas se estão a sobrepor às virtualidades das mesmas. É o que se lhes exige, mas também sabemos que maçãs a cair em cima de cabeças há muitas, mas poucas vezes nas cabeças certas.

Deixo-vos com uma formatação da mente e da linguagem e de quanto ela nos pode enganar: "Na terra dos cegos quem tem um olho é rei". Não é verdade, na terra dos cegos para se ser rei basta dizer que se tem um olho.