19 fevereiro 2013

VISÃO DA ACTUALIDADE DA SEMANA

- Tomar no cu: dito pelo secretário de estado da Cultura, Francisco José Viegas. Não há engano, é secretário que se quis dizer, porque o valor da frase está no facto de FJV saber que tal desabafo só teria impacto que teve por, acarinhado por Passos Coelho, ter desempenhado o cargo. FJV excedeu-se, foi mesmo boçal, mas traduziu tudo aquilo que a esmagadora maioria dos portugueses sente; mostrou uma dura realidade: a falta de respeito pelas instituições, pelas leis, pela autoridade e o apelo a uma desobediência civil. Tudo isto aliado ao desemprego, a uma economia moribunda, ao confisco fiscal, chama-se desagregação do Estado. Inadvertidamente, ou talvez não, FJV trouxe à toa a gravidade da situação que vivemos.

- Fecho das agências bancárias: são centenas de agências que fecham em Portugal, lançando no desemprego também centenas, ou talvez milhares de trabalhadores. Provavelmente nunca fizeram verdadeiramente falta, provavelmente os bancos viveram acima das suas possibilidades e agora têm de ser ajudados a emagrecer, a reestruturar-se. E os portugueses, que são tratados por este governo como carne para canhão, percebem que são eles que estão a ajudar os bancos e os banqueiros.

- Pedir factura: a Autoridade Tributária coloca à disposição uma página no seu sítio de internet na qual o cidadão pode introduzir os dados das facturas de restauração, cabeleireiros, oficinas, para colher mais tarde com comodidade o benefício fiscal colossal de 250 €. O fisco, fica a saber, quase de imediato, exactamente onde almocei, onde jantei, onde reparei o automóvel ou se fui a um cabeleireiro alternativo. O Big Brother deixou de ser uma metáfora para ser uma realidade. Se não está em causa o dever fiscal de passar factura e o dever cívico de a pedir, está em causa o policiamento que é feito - e o que se pode vir a fazer - sobre os cidadãos, tudo apelativamente justificado com o cuidado que o fisco tem com o bem-estar dos cidadãos. Será que alguém já possuidor do Cartão de Cidadão experimentou algum beneficio que não fosse o diminuir o enchumaço na carteira?

- Livro da semana: "Os Imortais de Agápia", de C. Virgil Gheorghiu. Já aqui foi recomendado, mas convém voltar a fazê-lo. A descrição das relações laborais e de servidão e muito especialmente as relações do homem com a sua ferramenta de trabalho, ou seja, com o trabalho ele próprio. Para meditar, que retirar a um homem a possibilidade de trabalhar é retirar-lhe parte do seu ser.

18 fevereiro 2013

Submissão, Amy Waldman

Amy Waldman, jornalista do New York Times, estreou-se na ficção, em 2011, com o romance "Submissão". Convém realçar de início que é primeiro romance de uma jornalista experiente, pois se o tema abordado e as questões que se colocam ao longo da narrativa poderiam ter sido escritos por qualquer autor atento, a acuidade e certeza de bisturi com que são tratados denotam grande parte fruto de automatismos da profissão de repórter na busca do pormenor, da contradição que levam à "verdade" do que se relata.

O ponto de partida da narrativa é a submissão a concurso de projectos de arquitectura para erigir, em Nova Yorque, um memorial às vítimas das Torres Gémeas no atentado de 11 de Setembro. Facto banal que nada tem de transcendente até ao momento em que é conhecido, entre os membros do júri, o provável vencedor, Mohamed Khan, norte-americano de nascença, muçulmano por inércia. Daqui se desenrola toda a trama que aborda algumas consequências morais, éticas, políticas e sociais do acto terrorista. E Amy Waldman escolhe uma galeria de estereotipadas figuras de cidadãos americanos (muito centrada em Nova York, que são uns americanos especiais), desde os que integram movimentos de direita anti-imigrantes, islamitas paquistaneses, jornalistas, mulheres libertárias, e mulheres conservadoras, todos partindo das suas convicções originais muito firmes e que as vão colocando em confronto e em causa ao longo da história. As duas figuras que desde de início não têm certezas, e que "caminham" em sentido de contrário de todos os outros, são o arquitecto Mohamed Khan e um membro do júri "representante" das famílias das vítimas, Claire Burwell, viúva de uma das vítimas. Estas duas figuras centrais não acabam por transformarem as suas dúvidas em certezas, mas têm mais certeza quanto a uma pacificação interior das suas vidas. Talvez o que seja necessário à América.

História muito interessante e bem "armadilhada", escrita num estilo de pré-guião cinematográfico (estilo em voga nos EUA de há alguns anos a esta parte), tem o condão de prender o leitor ao longo de quase todo o livro, enfraquecendo nitidamente no seu término, parte em que Amy Waldman perde/abandona o foco de jornalista e dá a sensação de cair na tentação de moralizar sem denotadamente o querer fazer.