29 abril 2011

O Estado IPSS

Aproxima-se o anúncio das efectivas medidas de austeridade que vão ser impostas ao país acabando as especulações (os meios de comunicação social foram pródigos em noticiar as mais diversas “desgraças”).

Os portugueses estão preocupados e ansiosos por as conhecerem para saberem quanto, em quê e como lhes vai ser diminuído o rendimento disponível do curto e do médio prazo. São preocupações legítimas porque a prestação da casa, a escola dos filhos, a electricidade, o IMI, o passe dos transportes, a taxa de saneamento básico e dezenas de outras despesas fixas têm de se pagar já. Porém estarão ainda muitos portugueses convencidos que estas medidas serão conjunturais e que após o saneamento das contas públicas serão recuperados os benefícios – pelo menos alguns – de que até agora dispunham.

No entanto, o que é verdadeiramente importante a partir deste momento é a escolha entre SIM ou NÃO ao Estado Social, pois a ocasião pode (está a) ser aproveitada para que sem os portugueses darem conta lhes seja imposto o fim de uma das características humanísticas da sociedade moderna: a preocupação do Estado (de todos nós) com a qualidade de vida dos cidadãos desde o berço até à morte.

A escolha entre o SIM e o NÃO é uma escolha ideológica de modelo de sociedade e nunca uma escolha económico/financeira por muito que nos tentem convencer da inevitabilidade de não haver reformas para a maioria da população daqui a dez anos, de não haver comparticipações (directas ou indirectas) para educação e saúde, não haver apoio à falta de emprego.
Que o Estado Social, tal e qual o conhecemos, deverá sofrer ajustes, que os dinheiros públicos têm de ser mais bem geridos, que terão de ser feitas opções entre canalizar recursos para obras de regime ou para prestações sociais, é algo que urge fazer devido às razões que são conhecidas: demografia, falta de qualidade de gestão, de fiscalização dos gastos, etc.

O que está em causa no “negócio” com a troika e posteriores acções é a opção entre o modelo de sociedade baseada no socialismo democrático ou social-democracia e o modelo liberal ou ultra-liberal (que defende o Estado fora da economia a não ser quando tem de acorrer aos Bancos). Embora todos se arroguem ter preocupações sociais com os mais desfavorecidos, isto não configura por si só a existência de um Estado Social. Quando se pretende reduzir as prestações do Estado apenas aos casos extremos dos mais, muito desfavorecidos e deixar todo o resto da população à mercê de soluções privadas e regras do mercado, não temos um Estado Social, temos um estado caritativo, um Estado IPSS.

26 abril 2011

Peço desculpa, mas não me culpem da crise financeira e política

Até ontem, até ao final da alocução do Dr.Jorge Sampaio nas comemorações do 25 de Abril, também eu declarava que todos éramos responsáveis pela situação de crise em que o país se encontra. Cada um com o seu quinhão e em dimensões diferentes, mas todos concorrendo para uma culpa comum. No entanto, na mais pura tradição da cultura/formação cristã e do pecado original com que todos vimos ao mundo numa insanidade de assumpção de culpas mesmo antes de ter consciência do próprio ser e que nos predispõe à aceitação de castigos que não merecemos, este pode ser um discurso anestesiante. É é-o porque distrai das verdadeiras causas da situação remetendo para a sombra as soluções necessárias, porque castra a contestação justificada e razoável que mantém sociedade e os governantes em estado de alerta, porque "privatiza" culpas passando-as em parte aos cidadãos.

Não podem ser culpados os portugueses de viver acima das suas possibilidades quando a sua maior fatia do seu endividamento é a da habitação porque não há mercado de arrendamento; não podem ser responsabilizados pela crise os desempregados da empresa que recebeu subsídios para se instalar em Portugal e depois fecha, sem penalização, para deslocalizar para países de mão-de-obra mais barata; não podem ser culpados o portugueses pelas ofertas de crédito fácil promovidas pelos bancos feitas a eito e sem critérios de risco; não podem ser culpados por se permitirem pagamentos a 60 e 90 dias (forma de crédito junto dos fornecedores) que sufocam milhares de pequenas e médias empresas deteriorando o tecido produtivo; não podem ser culpados que eventuais actos do foro criminal no BPN e BPP pusessem em causa o sistema financeiro; não podem os portugueses ser culpados de uma crise política para a qual não foram chamados; não podem etc, etc...

Sem dúvida que cada um de nós poderia ter feito melhor, é sempre possível fazer melhor, sobretudo não nos demitindo de participar activamente nos destinos do país e limitando-nos a entregar de quatro em quatro anos (muitas vezes menos) esse destino ao partido A, no partido B ou em A+B.

Peçam-me que contribua, peçam-me que sofra, peçam-me que morra pelo meu país, não me peçam que assuma as culpas que não tenho.

25 abril 2011

"Benjamim", Chico Buarque, D. Quixote

Chico Buarque ganhou dois dos maiores prémios literários do Brasil, Jibuti e Portugal Telecom em 2004 (com Budapeste) e 2010 (com Leite Derramado). Possivelmente balanceada por estes êxitos literários apostou a editora D. Quixote na publicação de Benjamim, obra de 1995.
Na sinopse pode ler-se: "A morte de uma mulher está por trás da vida de Benjamim Zambraia. É a obsessão que o leva a associar tudo o que o cerca no presente a esse enigma do passado, a estabelecer todo o tipo de relações, a começar pelo instante em que encontra a jovem Ariela Masé, que em tudo lhe parece outra, Beatriz.
Deixando um fio de suspense, Benjamim passa de uma situação a outra, de um personagem a outro - quase trágicos, quase grotescos, quase reais..."
Chico Buarque é um narrador do quotidiano, do quotidiano fastidioso, mesquinho, inconsequente de seres sós e solitários, auto-marginalizados.Benjamim não é mais do que isso o relato, passo a passo, - abrem-se portas, fecham-se portas, vai-se ao restaurante, pega-se um táxi, pega-se outro táxi, apanha-se o elevador e assim por diante - da vida de Benjamim Zambraia. Diz ainda a sinopse O mundo opressivo e obsessivo desta história não surge do exterior, não vem de fora, mas é a própria criação de um estilo de narrar, é o resultado de uma prosa sem precedentes. Não me parece. Se algumas vezes ainda se poderá ter a sensação de um universo mental e sentimental concentracionário em que eventualmente o protagonista viverá,todo o resto é um aborrecimento sem chama. Nada mais a dizer.