12 agosto 2011

Da queda das maçãs e outros graves

Para mal e bem dos nossos pecados, a nossa mente, a de cada um, está formatada de modo a nos movimentarmos neste Mundo sem a obrigatoriedade de análise pormenorizada de cada passo que damos. Mas a dita formatação, que nos concede significativo descanso na movimentação diária das nossas vidas, impede-nos muitas, muitas vezes, de ver para além do óbvio, ou do engano e da ilusão. Por isso têm os filósofos emprego.

Um dia (pr' aí aos catorze anos), deu-me na cabeça de começar a ver tudo de novo e reinventar o que já estava inventado, de descobrir o porquê das "coisas" e não apenas utilizar as "coisas". E deu-me para iniciar a tarefa por perceber por que é que as maçãs caem, o que não deveria ser difícil já que tal fenómeno tinha sido entendido por um sujeito que dormia placidamente debaixo de uma macieira quando um dos frutos lhe atingiu a moleirinha. Não demorei muito a dar-me conta da impossibilidade do empreendimento, porque desde que os meus pais me disseram o primeiro gu-gu-da-da me começaram a formatar: eu já não conseguia pensar na queda dos graves sem me socorrer de Sir Isaac Newton e da aceleração da gravidade igual a nove vírgula quatro metros por segundo quadrado. Tentei varrê-los da memória. Impossível. Como se diz em linguagem de discos formatados: memória não "apagável".

Percebi que redescobrir o que já está descoberto com mente formatada leva a incorrer nas mesmas verdades, mas fatalmente e pior, também nos mesmos erros e vícios. Seria, pois, melhor aceitar o que estava descoberto e funcionava, mesmo com erros, ou descobrir algo de novo e/ou que funcionasse melhor. Em abono da verdade, desde a juventude até hoje, que porfio, mas ainda não fiz descobertas ou invenções que mereçam público reconhecimento (no entanto,já fiz muita coisa funcionar).

Nesta crise financeira/económica mundial, porque a pior, a atingir uma escala global, o que se exige aos governantes, e àqueles que aspiram à governação, é que descubram algo de novo. Infelizmente, temos visto os governantes e as instituições a quererem combater a crise com a mente formatada, o que é natural porque as memórias liberais não são "apagáveis", mas tentando negar que os erros das soluções até agora encontradas se estão a sobrepor às virtualidades das mesmas. É o que se lhes exige, mas também sabemos que maçãs a cair em cima de cabeças há muitas, mas poucas vezes nas cabeças certas.

Deixo-vos com uma formatação da mente e da linguagem e de quanto ela nos pode enganar: "Na terra dos cegos quem tem um olho é rei". Não é verdade, na terra dos cegos para se ser rei basta dizer que se tem um olho.

10 agosto 2011

A interrupção das férias dos governantes

Os líderes europeus têm mostrado o seu grande interesse à causa pública interrompendo umas "merecidas" férias estivais (uns diazinhos ficam para o ski lá para Janeiro, Fevereiro). Ele foi o senhor Zapatero, a senhora Merkl, hoje, o senhor Sarkozy, o senhor Cameron. E o Presidente Obama ainda nem sequer foi de férias, à parte qualquer retiro em Camp David, que como se sabe não é um local de férias, mas um local de trabalho mais descontraído.

Que se saiba, apenas dois líderes estão de férias: Sua Santidade o Papa e o Primeiro Ministro Passos Coelho.

Porque Sua Santidade trabalha até à hora da morte, não auferindo por isso qualquer reforma, a Segurança Social do Vaticano não padece de qualquer risco de insustentabilidade, e porque o Vaticano não tem de construir auto-estradas, aeroportos, CCB, TGV, etc, o perigo de entrar em incumprimento também não é grande. E não há agência de rating, por mais ateia que seja, que se atreva a pôr em causa o rating triple A concedido pelos Céus. Aliás, a Santa Sé é a mais antiga instituição com triple A: Pai, Filho e Espírito Santo.

Já com o Primeiro Ministro de Portugal a sua partida para férias, via Facebook (isto faz-me lembrar qualquer coisa, não sei o quê, mas faz), é de temer: terá ele ido de férias só para as poder interromper para acorrer a alguma crise (programada)? Mais algum desvio colossal deixado pelo Governo anterior (nunca pela crise internacional, pela inépcia, incompetência da senhora e dos senhores que interromperam as férias) que será preciso todos os portugueses pagarem.

E os portugueses? malandros, que iam passar férias para as Caraíbas a crédito e não as interrompiam; malandros, que compravam casas a crédito porque os bancos não eram proibidos de lhes emprestar dinheiro; malandros, porque não canalizaram parte das suas poupanças para comprarem e venderem acções da SLN ao preço do doutor Cavaco Silva para garantirem uma melhor reforma; malandros, porque gastam dinheiro mal gasto a pagar o BPN para não se incorrer num perigo sistémico (como é que os portugueses foram capazes de comprar "isto" sem sequer saberem o que é um perigo sistémico?; malandros, porque põe os filhos a estudar em cursos que não dão acesso à Administração da Caixa Geral de Depósitos; malandros, porque vão pagar a redução da TSU através do IVA, mas, se houver uma longa recessão, acarretando uma diminuição das receitas de IVA, nada fica garantido; malandros, porque, em caso de dúvida, são sempre os portugueses que são malandros.

Estas, e outras razões, seriam suficientes para nós, portugueses, interrompermos as férias.