02 abril 2011

O FMI e os ratos de laboratório

É pena que as medidas políticas, económicas e financeiras não possam ser primeiro experimentadas em ratos em ambiente laboratorial. É pena, porque assim jamais saberemos qual teria sido a evolução do país se o PEC IV tivesse sido aprovado.
Sempre pensei que a melhor solução - negociada com o PS (com o Eng.º Sócrates) ou à revelia deste - teria sido a aprovação do dito PEC com convocação imediata de eleições. Não se podendo experimentar em laboratório, jamais conheceremos o desfecho se esse fosse o caminho trilhado.

Mas aberta a crise política, em que já não há uma voz contra (esperemos pela entrevista do Primeiro-Ministro na 2ª-feira) o pedido de ajuda externa, parece-me estarmos todos convencidos que qualquer experiência laboratorial quanto à intervenção externa, a ser possível, seria absolutamente irrelevante. Mais tarde ou mais cedo, amanhã, ou depois, vamos recorrer ao FMI ou à UE. A minha convicção advém do facto de não haver uma única força viva que apresente uma alternativa viável a curto prazo e de o PSD se mostrar tão disponível para apoiar o Governo nesse pedido (o que parece um contra-senso ao ter recusado o PEC IV por penalizar demasiado os portugueses).

No entanto, o maior problema não está na intervenção de uma entidade externa para sanear as contas públicas, mas na possibilidade de fazer crescer o país (o PIB) em anos de forte austeridade. Pelas intervenções que têm vindo a lume de especialistas na matéria, qualquer solução desemboca sempre na necessidade de mais dinheiro: para pagar o que devemos e para investir.

É realmente de lamentar que os ratos não usem dinheiro, não tenham mercados financeiros e agências de rating para que pudéssemos testar as soluções em laboratório.

01 abril 2011

Eleições, é óbvio, meu caro Watson.

O Presidente da República marcou eleições para a Assembleia da República para 5 de Junho. Depois do ouvidos os partidos, o povo português só esperava que fosse anunciada a data. E só esperava isso, porque sabe que pouco mais poderia esperar do Prof. Cavaco Silva, por força das circunstâncias, mas muito pelas características pessoais do próprio.
O PR fez o que todos nós andamos a fazer, e cada vez mais somos instigados a fazê-lo: escolheu a fuga para a frente. O PR cingiu-se ao óbvio e ao estritamente racional (não esquecer que a razão pode ajuizar bem ou mal).Talvez nós o possamos fazer, mas o Presidente não pode.
O Presidente que declara, e com propriedade, que os poderes do cargo que exerce são limitados - legalmente limitados, diria eu - teve nesta situação a grande oportunidade, de dois mandatos, de mostrar e demonstrar a autoridade moral que lhe advém do cargo que ocupa fazendo uma tentativa,mesmo que derradeira, de entendimento nacional, não apenas apelando aos partidos, mas a outras forças vivas da sociedade, que pudesse levar a uma solução credível de esforço conjunto e concertado.
O Prof. Cavaco Silva, calculista, irá utilizar a sua influência de magistratura activa após eleições promovendo a criação de um Governo de apoio quantitativamente maioritário, e qualitativamente maioritário nas grandes linhas de resolução da crise. Só que pretende fazê-lo em torno do PSD,pois antes de eleições teria que o fazer em torno do PS (o recurso a independentes seria demasiado moroso e frágil).
A actuação do Presidente, desde o fatídico dia de declaração expressa de crise política,com o seu silêncio dizendo apenas que lhe deixaram pouca margem de manobra e a decisão de convocação de eleições antecipadas pode ser compreensível,mas deixa-nos a todos ainda mais temerosos porque ficamos com a sensação de que ninguém quer enfrentar os problemas de frente. (Numa breve nota, os portugueses não entendem que a visita de altas individualidades estrangeiras se possa sobrepor à crise, mesmo que os protocolos de Estado assim o exijam).
Daqui para a frente também não haverá grandes surpresas, todos sabemos o que nos espera, seja qual for, e por que margem for, o vencedor das próximas eleições: drásticas restrições, perda de rendimento e de qualidade de vida. Aos políticos e próximos governantes cabe apenas uma tarefa: reganhar a confiança interna e externa em Portugal.

"O Feitiço de Xangai", Juan Marsé, Dom Quixote































Barcelona é um centro (escola) de artes. Habituados que estamos, por serem mais vusuais, aos seus pintores,arquitectos,designers, por vezes não nos damos conta do manancial de escritores oriundos da Catalunha que têm a cidade como pano de fundo da sua obra, sendo ela muitas vezes a personagem principal dos romances no modo como influencia os outros personagens humanos e o rumo da história.
Juan Marsé é um escritor catalão com vários prémios literário no seu percurso, tendo "O feitiço de Xangai" sido galardoado com o Prémio Nacional da Crítica, em Espanha, e o Prémio Aristeion, na União Europeia. Este romance (adaptado ao cinema em 2010) debruça-se sobre a vida de vários habitantes de um bairro de Barcelona em 1948 ainda num estado deprimente e deprimidos num cenário de pós-guerra 2ª Grande Guerra e sobretudo pós Guerra Civil espanhola. A história sobre fantásticos (no sentido de fantasiosos, excessivos) personagens, concentrando-os num mundo muito próprio como se a normalidade não existisse, transporta-nos ainda a Xangai numa rocambolesca aventura de "espiões", refugiados nazis, pistoleiros e máfias chinesas.
O romance é escrito (propositadamente?) em dois registos diferentes consoante o local, Barcelona ou Xangai. O autor disse em entrevista que trabalhava sobre imagens e desenvolvia os seus livros sobre elas. Efectivamente "desenha" as suas figuras de Barcelona tendo na retina o aspecto fantasista, visionário, até louco, da arquitectura pintura de Gaudi e pintura de Dali, Miró e tantos outros, enquanto a história de Xangai nos remete para a banda desenhada - "Tintin e o Lótus Azul", ou "Fu Manchu". Possivelmente se deverá ao facto de Marsé conhecer bem a sua cidade e o próprio testemunhar sobre o livro que nunca esteve em Xangai.
Um bom romance cujo primeiro terço (muito bom) requeria uma maior consistência entre as duas histórias, mas que não deixa de ser uma agradável leitura.

30 março 2011

Os ensinamentos das crises

Lembro-me que no choque petrolífero de 1973, que desencadeou uma crise também em Portugal, o comum dos portugueses aprendeu que o petróleo não era um líquido cor-de-rosa que se comprava nas drogarias e que servia para acender candeeiros e fogareiros, mas um líquido bem preto que vinha das "arábias" e que era gerido por uns homens que usavam uns "panos" na cabeça. Aprenderam os portugueses que eram afectados pelo que se passava noutros cantos do mundo (e com economias não globalizadas ao nível actual) com países e pessoas que nem sequer lhes passava pela cabeça existirem.

A crise actual trouxe ao conhecimento de grande parte dos portugueses a existência de uns "seres" que pairam sobre as suas cabeças, que não têm rosto, que nada produzem para além de palavras e comunicados, e que dão pelo nome de AGÊNCIAS DE RATING. Andam de mãos dadas com outras entidades que se chamam MERCADOS FINANCEIROS.

Foram, pois, ministrados estes ensinamentos da pior forma. Em vez de se aprenderem nos livros e numa sala de aula, aprenderam-se na pele e na escola da vida. Sabe-se que o aprender requer esforço e trabalho. Não deveria era ser necessário tanto sofrimento.