18 maio 2012

CRÓNICAS DE PARIS II

Em 1981 visitei o Centro George Pompidou - arquitectos Renzo Piano e Richard Rogers - pela primeira vez, quatro anos depois da sua inauguração. Embasbaquei com o arrojo do edifício, com a arquitectura futurista inserida nas típicas avenidas da capital parisiense desenhas por Hausseman. Poder-se-á, hoje, estranhar o meu provincianismo, mas é bom lembrar que o 25 de Abril tinha ocorrido há sete anos, a primeira emissão de televisão a cores em Portugal, há um ano e que não havia um milhão de clientes de telefone...FIXO.
Porque recentemente me tenho dedicado a umas pinturas, fui de novo à exposição permanente do Centro ver com outros olhos principalmente os cubistas.
Cansado das pernas, mas deliciado de espírito, satisfeito por apreciar algumas técnicas pictóricas e com o ego reconfortado por já ser capaz de deslindar mais um pouco da História de Arte, saquei do iPad e tentei aceder à rede Wi-fi livre do Centro para ligação internet. Procurei a rede, achei a rede; procurei algum código, não achei o código; tentei descodificar modo de acesso, não consegui. Perguntei a um funcionário, a dois a três, a quatro a n; disseram-me que no primeiro andar; no primeiro normalmente era difícil, talvez no segundo; no segundo não, na Biblioteca; na Biblioteca nunca, no átrio; na videoteca, no BAR, no, no, no, eu sei lá. Eu não sei, e ninguém sabia. Trinta e um anos depois da minha primeira visita ao Centro George Pompidou fiquei de novo embasbacado: um dos símbolos do modernismo e do futuro não tem informação para acesso fácil a uma das mais elementares ferramentas dos tempos modernos.
Leva-me a pensar que o Centro - que já é um clássico da arquitectura - cumpriu a sua tarefa, em devido tempo, de rasgar horizontes, de mostrar que é sempre possível ir mais além, mas, como tudo na vida, vai amortecendo o passo. E há familiares que nunca deixamos de visitar.

17 maio 2012

CRÓNICAS DE PARIS I

Os professores são quem nos ensina e transmite informação; os mestres são aqueles que nos transportam para o seu mundo de conhecimentos e emoções. Tive Mario Dionisio como mestre de francês no ensino liceal. Muita dor de barriga quando me questionava ou a cada prova que me submetia. Dele aprendi o francês - intranscendente até na pronúncia - e dele recebi o encantamento e a paixão por Paris e pela cultura francófona. As cólicas de prestação de provas deram frutos mais tarde na vida profissional, já que me tornara fluente em francês em qualquer dos campos a assinalar num CV - conversação, escrita e leitura - e levaram-me a aceitar colocação em Marrocos onde pratiquei a língua durante mais dois anos.
Regressado de recente viagem a Paris dei-me agora conta de que não sei dizer deux.
Deux bières,
e a madame, o que vai tomar?
perguntavam;
deux cafés,
e quando vinha na bandeja a chávena singular,
para a madame ou para o monsieur?
Recorrentemente tive formular novo pedido de deux acompanhado de gesto de dois dedos erguidos, indicador e médio (confesso que a certa altura me apeteceu mostrar outros dedos); e suprema vergonha, quando me questionavam em jeito de confirmação, two?. Até que ao comprar bilhete de comboio para Bruxelas apareci à minha mulher ufano com dois títulos de transporte. Feita a conferência de linhas, carruagem e lugares, ZÁS: bilhetes para uma pessoa, ida e volta. A minha mulher desabafou: a partir de agora vou sempre contigo, não que não tenha confiança em ti, mas se nos virem juntos pode ser que percebam que são dois.
Não me recordo de qualquer repreensão do mestre àcerca da má pronunciação de deux, ou será que em três anos da disciplina de francês, nunca passei pelo, agora, fatídico numeral?