16 agosto 2011

"A memória do escritor não deve ser exacta", David Vann


David Vann, autor de "A Ilha de Sukkwan" (ainda não li), deu entrevista à Atual, cujo chamada de primeira página, é: "A memória do escritor não deve ser exacta, deve alterar as coisas. O que é interessante na ficção é o modo como distorcemos a realidade objectiva".

Quando escrevi o meu primeiro romance, cujo tema é a Identidade, de pessoas, lugares, palavras, épocas, debati-me com o facto de querer preservar a memória exacta dessas "coisas", caso contrário estaria a distorcer a sua identidade. Investiguei pois, tanto quanto possível, para não me afastar da "verdade histórica".

Facto primeiro, algumas das minhas memórias, que eu tinha por exactas porque vivi os acontecimentos, não coincidiam com os documentos da época. Não era demasiado grave, porque os elementos de recolha não tinham sido "exactamente" os mesmos. Mas aí deparei-me com a realidade de que a "realidade objectiva" não existe, depende do observador. Em meu auxílio, Protágoras, cerca de 450 anos antes de Cristo tinha resolvido a questão: o Homem (cada homem, digo eu) é a medida de todas as coisas.
Conclusão: o que eu escrevi foi a minha memória sobre determinadas identidades, e acabei por escrever sobre como as identidades são re-arranjadas de modo a encaixarem no universo de cada um.

Facto segundo, as minhas memórias tinham-se alterado à medida que ao longo da vida novos factos foram aparecendo e que, consciente ou sub-conscientemente, me levaram a elaborar sobre os acontecimentos iniciais perspectivas diferentes. E espantoso, ou talvez não, a memória "mais recente" desses acontecimentos é mais exacta, mais próxima da realidade, do que a memória original que os deveria ter registado com maior fiabilidade.

Facto terceiro, a memória não consiste na preservação do que sucedeu, mas na "construção" da nossa explicação para o que sucedeu.

Assim nasceu "O Homem que Viveu Duas Vezes", do qual tenho uma "vaga memória" do que inicialmente pretendia fazer.

(A propósito deste tema, recomendo um romance recente: "Deixem Falar as Pedras", de David Machado, D. Quixote)

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