31 outubro 2011

HUMOR MUITO NEGRO

HISTÓRIA I
Seria da chuva intensa que os olhos dos dois homens estavam aguados porque do interno as lágrimas escasseavam. O primeiro homem tinha-as perdido, as últimas, num emprego, em Setúbal, que desaparecera, assim, com estalar de dedos, de um momento para o outro. O segundo homem ainda tinha lágrimas, mas perdia-as em cada injecção de heroína.
Puxando a barba hirsuta, como que a espremê-la para a secar, o primeiro comentou:
- Esta noite, choveu comó caraças.
O segundo procurando uma pirisca húmida nos bolsos.
- Molhou-me a casa toda, ainda tenho de ver hoje se arranjo um cartão seco.
- É, agora fazem destas casas de material reciclável, mas são quentes no Verão e húmidas no Inverno.
Retornou o segundo:
- Sabes qual é o meu sonho? - enquanto limpava a agulha da seringa enferrujada a preparar a dose - era ter assim uma casa grande, onde eu me pudesse esticar à vontade, assim uma embalagem de um frigorífico amaricano.
Os olhos dos dois homens começaram a ficar baços, seria da neblina, ou talvez da fome.

(Escutada no Rossio)

HISTÓRIA II
Parei o carro à espera que o veículo saísse do separador central. Quando me preparava para arrumar, o moedinhas de jornal levantado corria rua acima a indicar-me que podia parquear no local que ele não ajudara a arranjar.
Sorriu-me com as gengivas descarnadas e a face do rosto chupada pela droga.
- Desculpe, senhor, não ajudar melhor a arrumar, mas estava ali em baixo a arrumar outro. E isto de andar todo dia, rua abaixo, rua acima, a levar com o fumo dos automóveis dá cabo da saúde.

(Na Rua Defensor de Chaves)

Sem comentários:

Enviar um comentário