02 setembro 2011

Líbia, mais uma guerra em directo

1 - A guerra em directo, ou tumultos sociais, já não constituem espanto (a primeira transmissão do género, de que me lembro, foi a reportagem do Adelino Gomes no ataque ao RALIS em 11 de Março de 1975) e já ninguém aceita receber notícias destes factos de outra modo que não seja o repórter em cenário de guerra dentro do cano de uma qualquer arma.

As imagens que nos chegam da guerra em directo da Líbia são isto, mas são tudo menos a realidade da guerra. Ao visionarmos uns grupos de rebeldes vestidos com camisolas do Paris St-Germain e bonés da NBA empunhando armas, que disparam para o horizonte se em luta, ou para o ar se satisfeitos; grupos de rebeldes que avançam e recuam nas estradas (esta tem sido uma guerra de estrada) em cima de pick-ups com improvisados suportes de órgãos de Estaline que disparam contra um inimigo que nunca se vê, identificamo-nos imediatamente com os "bons" porque é o lado em que se encontra o nosso repórter, às vezes abrigado atrás de um muro do terraço de hotel, e nos alienamos do âmago do problema árabe, que é efectivamente um problema euro-árabe-americano.

A guerra em directo, para além do voyeurismo que tem sempre implícita a observação de um evento proibido - proibido porque atenta aos bons costumes, ou porque é perigoso -,e do aspecto lúdico que já atingiu, quase foros de jogo de play-station para o que será apenas necessário o espectador dispor de um botão de interacção, a guerra em directo precisa que lhe estejam associados mecanismos de descodificação e de pensamento.
Assim, para além do efeito imediato (pouco espectacular, diga-se) das imagens da Líbia, convém meditar no que vemos, e interrogarmo-nos:
- Quantos rebeldes com armas existem?
- Qual o seu centro de recrutamento?
- Existe uma organização, uma hierarquia, uma disciplina, uma estratégia, no seio dos revoltosos? Ou várias? Ou nenhuma?
- Quantas baixas houve de parte a parte?
- Após a queda dos khadafis irão os rebeldes entregar docilmente as armas e voltarem pacificamente para o seu lugar no desemprego?
- Onde está o exército Líbio?

2 - Khadafi é um terrorista, reformado, mas é um terrorista, e as potências ocidentais resolveram esquecer, passar uma esponja sobre o atentado de Lockerbie, a troco de uns barris de petróleo e de uns metros cúbicos de gás natural. Vêm agora dizer que o inquérito está sempre em aberto.

Khaddaffi é um ditador em queda, não reformado, mas que foi cumprimentado por todos os líderes ocidentais ou seus representantes; é um ditador que assentou arraiais com a sua tenda em vários países, incluindo Portugal. Sempre a troco dos barris, dos metros cúbicos e de eventuais negócios.

Khaddaffi é agora bombardeado pela NATO, que não bombardeia a Síria, e que o acolheu na Cimeira de Lisboa; é aconselhado pelos seus "ex"-aliados a entregar o poder ao Conselho Nacional Transitório com o qual já negoceiam os barris, os metro cúbicos, os negócios. O CNT já garantiu 35% do petróleo à França.

Ontem, o presidente Sarkozy reuniu em Paris uma plêiade de líderes mundiais denominados "Amigos da Líbia".
Pergunta-se o que são os Amigos da Líbia, nos quais Portugal se inclui: são os "ex"-amigos de Khadafi? são os amigos do CNT? são os amigos da Líbia independentemente do regime político em vigor?

A representante da Comissão Europeia não esteve presente. A União Europeia não é Amiga da Líbia?
Mais uma vez a Europa (era hora de acordar doutor Durão Barroso) não tem uma política comum para lidar com os países muçulmanos da bacia do Mediterrâneo.

Pode não parecer, mas esta reunião foi mais uma faceta da guerra. Não foi transmitida em directo.

3 - O Primeiro Ministro, Dr. Passos Coelho, fez uma declaração de "fundo" sobre a guerra na Líbia: "é uma espécie de 25 de Abril". Talvez fosse de pedir umas lições ao seu empregador (julgo que manterá o vinculo às empresas), Eng. Ângelo Correia, especialista em temas (e negócios) árabes. O fim de uma ditaduras, com durações semelhantes, não fazem do processo bélico e político com que sejam parecidas. A génese das ditaduras árabes nada tem a ver com a das ditaduras de cariz fascista de meados do séc. XX; o fim das longas ditaduras árabes ainda não mostrou qualquer fruto de uma vivência democrática, tipo ocidental, nem se sabe se tal virá a ser exequível num médio-prazo.
Convinha estudar, porque os países árabes da bacia do Mediterrâneo são mercados de exportação a ter em grande consideração.

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