12 junho 2011

A Livraria Barata

Das 10 consideradas melhores livrarias do mundo só estive em duas: City Lights Books, San Francisco, EUA e Lello, no Porto. Interessante que o critério de escolha se baseia sobretudo no espaço e na arquitectura do edifício. Os livros ficam para segundo plano.

Conhecem a Livraria Barata, a Barata? Na Av. de Roma, em Lisboa. Essa é a minha livraria de eleição: porta estreita, uma montra de cada lado, casa pequenina, com um balcão do lado direito de quem entra, estantes de livros até ao tecto e espaço diminuto para "rectangular" em volta do paralelipípedo central também com livros; lá para dentro, por uma passagem ao fundo uma divisão reservada às pessoas da casa, a funcionar como armazém, escritório e guarda de livros proibidos.

Foi na Livraria Barata que comprei as "Teses e Documentos do Segundo Congresso Republicano de Aveiro". O senhor Barata (já falo do senhor Barata) disse-me julgo que está esgotado, já vou ver, e perante a minha impaciência (um dilatado quarto de hora ou mais)o senhor Barata foi atendendo outros clientes; sem nada dizer, foi lá dentro, trouxe os dois volumes já embrulhados e vendeu-mos.
Acicatado por esta cumplicidade do senhor Barata, um dia (tinha uns dezasseis anos) cheio de coragem, e vermelho que nem um tomate, perguntei-lhe se vendia a Playboy. Resposta: a si, não.

Então, e quem era o senhor Barata? O dono, como se sabe e se depreende. O dono que nunca sorria, a mim nunca sorriu, e quando estive na loja nunca o vi sorrir para ninguém. Eu evitava ser atendido pelo senhor Barata. Na primária, eu tinha-lhe medo, depois, no secundário, achava-o antipático, na faculdade julguei-o magoado. Seria tudo isto, o seu fim trágico terá sido a sua última embirração com o mundo.

Privei mais de perto com o senhor Barata, noutra Livraria Barata - numa em que depois do 25 de Abril, contra a legislação, ele resolveu abrir as portas ao sábado à tarde -, descobri que o senhor Barata era uma pessoa reservada, rosto duro, mas nunca assustador, nem antipático. Magoado talvez. Pelo menos tinha uma mágoa que partilhou comigo, possivelmente em dia de menor ânimo: gostava mais da sua Livraria Barata na loja pequena.

Mesmo depois de abrir a poucos metros uma apinocada, para a época, livraria concorrente (não se pode dizer o nome neste texto), mais ampla onde a rapaziada podia ler à vontade as revistas de automóveis e de rock, e que passou também a ser ponto de paragem obrigatória, nunca a troquei pela Barata.

Para mim a Livraria Barata, a antiga, a de aspecto de alfarrábio, austera, fraca iluminação, a necessidade de uma boa acuidade visual para ler os títulos nas lombadas lá em cima, sem TOP TEN,sem TOP de Vendas, é uma das minhas favoritas.

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