14 junho 2011

O brilho do liberalismo (ou do neoliberalismo)

Noticiava o Expresso que no MBA da Kellogg School of Management em Chicago (onde mais poderia ser?)os alunos têm 3000 créditos anuais para (comprar) assistir às aulas e gastam-nos num sistema de leilão frequentando as dos professores mais valiosos num sistema.

A notícia aparece numa rubrica ligeira, o EM OFF, porque à primeira vista parece uma bizarria e não é imaginável numa Universidade portuguesa ou mesmo europeia, mas este facto é a revelação da filosofia liberal e/ou neoliberal em estado quase puro. Quase, porque para nos aproximarmos ainda mais da pureza do neoliberalismo deveria ser permitido aos alunos transaccionarem livremente entre si os ditos créditos estabelecendo a cada momento o preço achado mais justo. Os alunos com maior poder de compra criariam aos outros uma barreira à entrada (neste caso na sala de aula)e esta diferença de poder de compra não seria encarada como uma desigualdade social, mas como uma vantagem competitiva.

Dir-se-á que só vende os créditos quem quer. Não é certo. Os liberais, partidários da mais livre concorrência sem entraves, impõem uma condição à partida para que o sistema funcione: que todos sejam liberais, alinhando na filosofia do mercado livre e do aumento de transacções levado ao extremo, pelo que os alunos mais débeis economicamente não poderiam boicotar o sistema não colocando os créditos no mercado (só o poderiam fazer para os colocarem em ocasião mais oportuna, preços mais elevados). Caso contrário, os liberais chegam mesmo a admitir o recurso à guerra para a abertura de novos mercados (ou defesa dos antigos). A Guerra do Ópio, embora no séc. XIX. é sempre dada como exemplo paradigmático.
Os alunos mais fortes poderiam, então, apelar ao uso da força para impedir a entrada dos outros nas aulas. Só que a guerra é um dos poucos campos que o liberalismo confere ao Estado. Assim, os alunos teriam que recorrer ao exército nacional.

Os alunos que frequentassem as aulas dos professores mais valiosos teriam vantagens competitivas no acesso ao mercado de trabalho, perpetuando as vantagens competitivas iniciais (nas quais pegamos na Universidade, mas que já vinham de trás).

Mas pensemos que o número de lugares disponíveis na sala de aula permitiria, ainda assim, albergar um número significativo de alunos com menor poder de compra e mais desfavorecidos, permitindo-lhes ascender no mercado de trabalho a graus superiores de satisfação e riqueza.
Deixando funcionar a mão invisível do mercado a tendência seria a baixar o custo de transacção dos créditos, pois a oferta seria superior à procura dos alunos mais ricos. E estes sentir-se-iam satisfeitos com a entrada de novos players (é assim que se diz nas aulas de Gestão e que dizem os comentadores televisivos)se o mercado prosseguisse o passo seguinte seria...diminuir o número de vagas.

Esta é uma possibilidade teórica (mas realizável)da filosofia liberal/neoliberal no seu estado quase, quase, quase puro porque ainda se poderia ir mais além introduzindo o factor criminalidade no sistema.

O liberalismo desde a sua génese que tem um problema para resolver (porque se sente publicamente envergonhado): a introdução de uma ética e moral compatíveis com a liberdade dos indivíduos e empresas, nomeadamente na sua condição de agentes do mercado.
Até agora, a filosofia liberal remete a solução para uma auto-regulação dos indivíduos e das empresas

Quanto às empresas, sabemos que são organizações vocacionadas para a obtenção do lucro máximo se possível com um máximo de facilidades. A introdução de uma moral na actuação das empresas tem vindo a ser timidamente instituída. Fingidamente porque as empresas não a assumem com fazendo parte do seu código genético, mas mais uma vez como uma vantagem competitiva aos olhos dos consumidores. Existem fundos cotados nos mercados para empresas com responsabilidade ética, social, laboral, ambiental. Conclusão:a ética e a moral são transaccionáveis e se o são têm um valor, que numa qualquer circunstância, se deixarmos o mercado funcionar, pode ser zero ou muito próximo dele. Se o sistema liberal funcionasse a todo gás deveriam existir também fundos para empresas sem ética nem moral(estou curioso em saber qual dos fundos se valorizava mais).

Quanto aos indivíduos, os liberais modernos baseiam-se numa teoria psicológica de que os seres humanos nascem com os sentimentos (valores) de justiça, solidariedade, bondade que lhe permitem distinguir o bem do mal sem serem ensinados e sem serem castigados, tendo pois preocupações sociais inerentes à sua condição humamna. Suponho que os liberais portugueses (os estrangeiros nem conhecem) nunca devotaram grande atenção ao significado das palavras do Padre Américo: todos os rapazes nascem maus, nós é que temos que os tornar bons.

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