06 maio 2011

E a ideologia, pá?!

Afirmações do último mês:

a) A equipa da troika é constituída por técnicos das três instituições;

b) O plano para cumprir é um plano técnico;

d) Francisco Assis (que considero um dos mais clarividentes políticos) afirmou que agora não interessam ideologias, mas sim cumprir o plano;

e) A margem de manobra política dos partidos (e da sociedade) é muito reduzida se não nula;

f) Camilo Lourenço, “Uma equipa de técnicos fez em três semanas um programa de Governo que os partidos não foram capazes de fazer durante anos” (podemos se calhar privatizar o Governo).

A mensagem que perpassa do que temos ouvido nos últimos tempos é que podemos “brincar” à política e aos políticos desde que exista dinheiro, que as finanças públicas e privadas estejam de boa saúde. Ou seja, a economia tem primazia sobre o político e a ideologia. Só que esta ideia (reparem na palavra) é ela própria o resumo de uma ideologia: a capitalista. (não comecem já a pensar coisas, sou a favor da ideologia capitalista).

Mas sendo a melhor definição de Homem conseguida até hoje a que nos chega da Antiga Grécia - é um animal político, social e sociável (não refere económico) -, recentremos então a análise.

Em crises mundiais e nacionais anteriores (de um modo simplista podemos dizer) à falência ou degradação de um sistema era possível contrapor outro alternativo, sem que a nova opção fosse necessariamente melhor: república à monarquia, comunismo/socialismo ao capitalismo (entendido como modelo de sociedade), democracia à ditadura. Hoje, pela primeira vez, à crise do capitalismo não há ideário de fuga. Os filósofos, os intelectuais não têm produzindo pensamento que permita vislumbrar uma sociedade baseada em pilares diferentes dos do capitalismo, mesmo que se revelassem meras utopias. A última deriva terá sido de Alvin Toffler com “A Terceira Vaga” em que as tecnologias da informação e comunicação (produzidas pelo capitalismo) nos conduziriam ao paraíso na terra, com mais horas de lazer, com maior produtividade, com mais riqueza para distribuir.

Hoje, às crises do capitalismo o que se contrapõe são melhoramentos à ideologia capitalista política e económica. Só que uns, os neoliberais, são adeptos do capitalismo, mais ou menos selvagem, em que o mercado é rei e senhor olhando o sistema fundamentalmente do ponto de vista económico; outros, os socialistas democráticos ou social-democratas, abraçam o capitalismo popular, perspectivando capitalismo como sistema social e político.

Como qualquer iniciado à Economia Política aprende as transacções, a realização de mais-valias e a acumulação de capital (que pode ser conseguida pela força das armas) fazem parte da natureza humana desde que o homem aprendeu a produzir para além das suas necessidades de consumo e que passou a relacionar-se inter-grupos. O que este sistema tem de perverso é que não é um sistema de vasos comunicantes em que o fluído tem a tendência a equilibrar o nível em todos os vasos, é antes um buraco negro em que a concentração de massa (capital) tende a atrair a si toda a massa (mais capital) que caia no seu campo gravitacional. E essa perversidade traduz-se para os neoliberais em que os pobres são os culpados de serem pobres e para os social-democratas que os pobres têm possibilidade de virem a ser remediados ou ricos.

Aqui entra o primado do político sobre a economia em que o sistema necessita de ser balizado (evito o regulado) por um conjunto de valores e que as regras da sociedade tenham em conta: justiça, solidariedade, etc

Portugal nunca esteve fora (mesmo no período das nacionalizações), e bem, da economia de mercado (economia socialista de mercado não existe); Portugal pertence a organizações internacionais que adoptam este sistema político e económico; Portugal solicitou intervenção de três instituições que são bastiões do sistema capitalista. Isto é uma opção ideológica (pá!) não é uma opção técnica ou uma inevitabilidade de qualquer outra índole.

O plano de recuperação financeira do país é, pois, iminentemente ideológico no sentido que dita, digo eu, que se tenda mais para o lado dos neoliberais do que para o lado dos socialistas democráticos. E é tanto mais ideológico quando não se limita as aspectos puramente técnicos e refere, por exemplo, a reforma da Justiça, entre outras.

Qualquer partido ou conjunto de partidos que venham a governar Portugal será obrigado a fazê-lo de acordo com o contrato que for assinado, mas não podem suspender a ideologia durante três anos. A ideologia está lá e há que aperfeiçoá-la e construir mecanismos políticos e económicos que permitam melhorar efectivamente a vida de todos os portugueses.

It's not the economy, stupid. É a ideologia, pá!

1 comentário:

  1. Carlos, eu pelo contrário, acho que não haverá lugar para a ideologia, enquanto responsável pela gestão do país. Ou melhor haverá, mas como já disseste antes já foi escolhida previamente. E estão de acordo com ela os três partidos, com os quais vai estar de acordo a maioria dos portugueses votantes, talvez quase 80%. Para não assistirmos a uma palhaçada degradante durante os próximos 5 anos o melhor era esses três partidos reunirem entre eles os melhores técnicos e distribuírem entre eles os ministérios. Qualquer deles será obrigado a governar da mesma maneira e se não estiverem lá os três as discussões entre eles vão ser uma boçalidade. E assim até podem distribuir mais equitativamente os jobs pelos seus boys e o país viverá em paz, cantando e rindo. Eu por mim recusarei as botas cardadas mas eu sou dos outros 20%. Sou um chato.

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