14 março 2011

"Berlin Alexanderplatz", de Alfred Doblin, D. Quixote

A manifestação da "Geração à rasca" já foi suficientemente divulgada e debatida pelos inúmeros comentaristas mediáticos. Do que vi, ouvi e li havia um ponto em comum: o protesto expressava a angústia quanto ao futuro(que é já hoje), não dos jovens sem emprego, com contratos precários, falsos recibos verdes..., mas de todas as gerações. A geração do meio, incluindo aqueles que estão empregados, está aflita. Muitas famílias têm de sustentar três gerações (que segundo o paradigma de organização de sociedade actual deveriam ser economicamente independentes), a sua própria, a dos filhos que já deveriam ter ingressado no mercado do trabalho, e a dos pais com reformas de miséria, utilizando uma expressão bem conhecida, mas que começa a tornar-se numa grande verdade e não apenas numa palavra de ordem.

No entanto, o modo como se desenrolou o protesto deu-me algum conforto. O ar festivo, de happening, moderado (a manifestação dos professores de 2009 exalava muito maior agressividade), o retorno à (infeliz normalidade) após o encontro, deu-me o conforto de pensar que a crise, se se faz sentir duramente na carne, ainda não corroeu a alma do povo.

"Berlin Alexanderplatz", romance de Alfred Doblin, O romance relata a vivência de um operário (desempregado), Franz Biberkopf, em 1929, na Alemanha, durante a República de Weimar que desembocou no nacional-socialismo. O autor descreve de forma soberba, quer literária (já alvo de muitas análises, incluindo a de Walter Benjamim, hoje tão divulgado), quer sociológica e psicológica, o que pode acontecer a um povo quando o desgoverno da economia mina até ao tutano os alicerces de uma sociedade. A escrita é dura, duríssima, de uma crueldade ímpar, mas só assim se consegue transmitir a dureza e crueldade de vidas para as quais muitos são empurrados sem possibilidade de fuga.
Algumas análises ao romance dizem que o verdadeiro protagonista do livro é a cidade e principalmente aquela praça, Alexanderplatz, sempre presente como elemento opressor, como um espaço ao qual Bierkopf está confinado, ou ao qual tem sempre de regressar. E a praça e todos os espaços são habitados pelo lumpen, pelos marginais à força.
Quem ler hoje o livro pode fazer uma extrapolação entre a crise de 1929 e a crise actual e sugerir que o verdadeiro protagonista não é a praça, mas a economia sem rumo que nos oprime, procurando-se a solução dentro do mesmo esquema económico que nos confina.
"Berlin Alexanderplatz" é um livro de fôlego (mas não se lê de um fôlego, pelo menos eu), é precisa uma grande resistência e capacidade de sofrimento com a miséria humana para o ler.

Haja esperança que a praça dos Restauradores nunca seja uma Alexanderplatz de 1929.

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