06 março 2011

"Como o Soldado Conserta o Gramofone", Sasa Stanisic, Quetzal

"Como o Soldado Conserta o Gramofone", de Sasa Stanisic, (faltam uns acentos circunflexos invertidos e acento agudo no nome do autor) originário da Bósnia foi publicado em 2008 pela Quetzal e é sem dúvida um romance a ler, pese embora, uma certa descontinuidade qualitativa (de qualidade da escrita)e da uniformidade narrativa, esta última talvez resultado de uma falha de trabalho entre o editor e o autor. Stanisic teve uma ideia fantástica para contar o drama de uma cidade na última guerra dos balcãs e parece ter tido a avidez de nada deixar de fora como se este fosse (ou viesse a ser o seu único romance). Enquanto um escultor, de pedra, por exemplo, se livra com prazer de todo o material que não necessita para fazer nascer a sua obra, um escritor sofre ao cortar, ao limar, ao excluir parágrafos, por vezes capítulos inteiros, que escreveu.
O que fascina neste Soldado com o seu Gramofone é o modo fantasioso como o autor descreve "o fim-do-mundo", do seu mundo, do mundo da sua família, do mundo dos seus conterrâneos,sendo inclusivamente "obrigado" a descrevê-lo à distância, pois fá-lo a partir da Alemanha onde foi obrigado a refugiar-se com os pais.
Diz a contracapa do livro:
Uma escrita com ecos de cinema de Emir Kusturica
. Não são apenas ecos, é um paralelismo artístico em que as paralelas são muito próximas e se encontram "antes do infinito" (olvidemos a incorrecção matemática). O que é impressionante em Sasa Stanisic é a capacidade de se "rir/aceitar" um acontecimento com as dimensões trágicas da guerra e dos genocídios dos balcãs descrevendo-o, mais uma vez como diz a contracapa, de uma forma poética, trágica e cómica.
"Como o Soldado Conserta o Gramofone" faz-me pensar em que bons romances surgirão na sequência dos actuais acontecimentos e convulsões do Norte de África (escritos por escritores árabes), mas faz-me ainda mais pensar que o mundo ocidental, nomeadamente a Europa, ainda não conseguiu interiorizar a crise económica e social (e já agora política) em que vive e ainda não conseguiu produzir (em obras literárias, que não sejam puramente filosóficas ou ensaios) e vive na ilusão de que tudo não passa de alguns conturbações próprias do sistema ou e de alguns problemas inter-pessoais derivados do estilo de vida actual.
A ilusão propiciada pela prosperidade e pelos setenta anos de paz na Europa (exceptuando a tal Guerra dos Balcãs, mas em que os bombardeamentos pareciam estar à mesma distância do Iraque e do Afeganistão) e que pode degenerar, não num beco, mas numa saída trágica julgo que levarão a que muita da literatura subsequente seja altamente depressiva, bastante mais dura, mais dramática do que o "Como o Soldado Conserta o Gramofone" porque não teremos todos, individualmente e como povos, a capacidade dos artistas balcânicos. Faça terapêutica preventiva e leia este livro.

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