19 maio 2011

A arte de morder a língua

Cruzei-me com o senhor Palomar e depois de nos cumprimentarmos silenciosamente com um aperto de mão perguntei-lhe a opinião sobre o excessivo palavreado na contenda politico-partidária em Portugal (tenho muito em conta a sua opinião porque é pessoa muito culta e ponderada).

O senhor Palomar permaneceu em silêncio, o que não estranhei porque o senhor Palomar, avisadamente, morde a língua três vezes antes de fazer qualquer afirmação. À custa de tanto martirizar a língua certifica-se do acerto do que tem para dizer. Consta que passa meses calado.

O senhor Palomar preocupa-se ainda com a possibilidade de dizer ou não coisas. Explicou-me, em tempos, que quando todos falam demasiado o importante não é tanto dizer a coisa certa, mas dizê-la partindo de premissas e implicando consequências que dêem à coisa dita o seu máximo valor.

Enquanto permanecia expectante, mas paciente, pensei que na campanha eleitoral que se inicia neste fim-de-semana poderiam os candidatos, máquinas partidárias e afins seguirem o douto pensamento do senhor Palomar de morder a língua e a possibilidade de muitas vezes optarem pelo silêncio que implica uma arte do calar-se ainda mais difícil do que a arte do dizer.

Não emitiu uma única palavra o senhor Palomar durante o nosso breve encontro e sem uma palavra o senhor Palomar levou a mão esquerda ao chapéu, estendeu-me a direita, e partiu.

Segui também eu o meu caminho plenamente satisfeito com a resposta porque o silêncio-discurso está nas suas interrupções, ou seja, naquilo que de vez em quando se diz e que dá sentido àquilo que se cala.

(Baseado no texto "Acerca de morder a língua", de Italo Calvino in "Palomar")

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