05 junho 2011

Caso Silva Pais

Não vi a peça A Filha Rebelde de Margarida Fonseca Santos, levada à cena no Teatro Nacional Dona Maria II quando eram directores Carlos Fragateiro e José Manuel Castanheira que relata as vivências da filha do ex-Director da PIDE, Silva Pais, com o pai e a sua adesão ao regime cubano. Não conheço o processo que lhes foi movido pelos sobrinhos de Silva Pais, a não ser as parcas notícias sobre este caso e o que vem no Público de sexta-feira: os sobrinhos de Silva Pais contestam que o tio seja apresentado como autor moral do assassinato de Humberto Delgado e, para mim, numa escala não tão importante, que o retrato das relações entre Silva Pais e a filha não é verdadeiro.

(O major Silva Pais foi indiciado como autor moral do assassinato do General Sem Medo e não foi condenado nem absolvido porque morreu enquanto decorria o julgamento. O colectivo de juízes decidiu que por motivo da morte do acusado era extinto o procedimento criminal.)

Os três acusados reclamam inocência baseados no princípio de liberdade de expressão e de criação artística não tendo ultrapassado quaisquer limites que considerem justificativos de um processo de difamação e não entendem por que razão não foram também indiciados os autores, José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, do livro de 2003 no qual se basearam. Mas,esta liberdade que está na génese da liberdade de expressão é a mesma que permite a alguém que se julga na razão de ter sido ofendido de reclamar justiça em tribunal.

É esta a base da Democracia: os cidadão são todos livres e iguais aos olhos da lei. E a Justiça, sendo um dos pilares da Democracia, não pode ser preconceituosa com qualquer cidadão.

Só que este processo de difamação (julgo eu que será correcto chamá-lo assim) a ter lugar entre quaisquer outros cidadãos passaria totalmente despercebido, ou caso fosse entre figuras mediáticas teria o tratamento de "fofoca".

O que está aqui em causa vai muito além de um simples caso de difamação. O que está em causa neste processo é que Silva Pais serviu num regime que não reconhecia o princípio atrás formulado e serviu esse regime no que ele tinha de mais hediondo: a perseguição, a tortura, o encarceramento, os Tribunais Plenários e alguns assassinatos, nomeadamente o de Humberto Delgado; o que está aqui em causa é a tentativa do branqueamento das acções de Silva Pais como chefe da polícia política (nem sequer me refiro ao caso de Humberto Delgado), porque a não consumação do julgamento do Major se não o condenou também não o ilibou. Os sobrinhos, parece-me, estarão a fazer a tentativa de inocentar o tio por caminhos ínvios.

Quando a Justiça não pode ser levada até ao fim cabe à História fazer o relato (isento e independente) dos factos; quando a História não tem meios para relatar os factos, cabe à Memória (nas suas diversas formas de a reportar, nomeadamente criação artística, a reconstrução e preservação dos factos). E se a minha memória não me falha é uma verdade histórica (mesmo como hoje se diz, se tratasse de um mito urbano)que o facto que sempre correu e aceite como verdadeiro é que Silva Pais estava ao corrente da operação de liquidação do General (o contrário, si non è vero, è ben trovato), pelo que dizer que na peça imputar a autoria moral da morte do Humberto Delgado a Silva Pais é uma deturpação da memória colectiva (mesmo que ela não corresponda à realidade)é que me parece uma deturpação dessa mesma memória.

Não conheço a peça, mas se Margarida Fonseca Santos pretendia, como depreendo das suas declarações ao Público, relatar os factos de uma determinada época, então não está a faltar à verdade histórica.

O caso está em Tribunal, teremos de aguardar pela Justiça. Como se costuma dizer: confio plenamente na justiça, (mas que me mete medo, mete). Espero que o regime ditatorial, mesmo depois depois de finado há 37 anos, não faça mais vítimas.

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