21 março 2012

A Metamorfose, Franz Kafka, Editorial Presença

Falar de Kafka, da sua vida, da sua obra, ou de qualquer livro em particular, é correr o risco de repetir tudo o que já de muito foi dito sobre o universo claustrofóbico do escritor. Então, sobre A Metamorfose já correram rios de tinta.
Kafka escreve este conto num descritivo muito simples e linear, e de forma soberba introduz todos os factores - todos,mas apenas os estritamente necessários -, para que o leitor entre no universo castrador de Gregor Samsa: a família, o emprego. Gregor Samsa, numa manhã, simplesmente acorda insecto e dá início a uma nova vivência interior e nova convivência com os seus familiares, pais e irmã. A sua transformação em insecto, se o limita no mundo dos humanos, não deixa de ser uma forma de libertação, já que o liberta dos seus deveres familiares e profissionais. No entanto, ao passar à condição de insecto não tem hipóteses de sobrevivência porque se os pais e irmã têm para com ele uma condescendência e compaixão iniciais, depressa se fartam dele, mesmo que o reconheçam como filho ou irmão. O homem/insecto se se viu de alguma maneira libertado, não pode actuar em completo à-vontade em qualquer das condições.

A mestria deste conto está precisamente na singeleza da exposição da complexidade da liberdade/clausura que se encontra em cada uma das condições e que vai desde a forma do próprio corpo até às imposições morais a que Gregor Samsa se vê obrigado quer na sua condição humana, quer na sua forma animal.
Desde o primeiro parágrafo - "Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco insecto" -, que o leitor entra directamente na nova realidade de Gregor Samsa e da família e, tal como a família, desenvolve uma simpatia com o infortúnio de Gregor, mas em breve, já pouco esta interessado em como se safa Gregor, mas antes como se safa a família (que diabo, os humanos tem de se ruins para os outros). O leitor não se questiona o que levou aquela condição; o leitor não se pergunta porque é que Gregor Samsa apenas modificou a aparência e, como insecto, mantém o sentimento e o pensamento humanos. Tão simples, tão imediato, e tão perturbador, que o leitor se sente talvez aliviado com a expectativa de ser convidado para o casamento da irmã de Gregor, no mundo dos humanos. Gregor Samsa, por seu lado, encontra o alívio e a libertação mais douradora que existe para qualquer ser: a morte.

Sem comentários:

Enviar um comentário