08 janeiro 2012

O PALHAÇO

O palhaço é um ser discreto, lento, que rola nas estradas portuguesas, pelo qual não se dá conta a não ser quando ele não se desenrasca e enrasca a velocidade ou a manobra automobilística de outrem. É um ser que se encontra com frequência na faixa do meio, ou na da esquerda, das auto-estradas, que descansa nos cruzamentos enquanto houver outros veículos no horizonte longínquo. Os palhaços são seres de sangue frio, porquanto têm a tendência em sair das suas luras em dias de sol e têm um tropismo pela volta-dos-tristes.
Pela pequena descrição feita, não se pense que o palhaço não tem momentos de ousadia e de defesa do território, nomeadamente quando não deixa que outro veículo se meta à má-fila ultrapassando ufanamente uma série de papalvos, palhaços, que estão pacientemente numa fila de trânsito à espera que ela avance. A maior parte das vezes o instinto de defesa repercute-se na buzina.

Este ser, o palhaço, é apenas do sexo masculino. A palhaça não existe. Antigamente existia a dona-de-casa - devias estar em casa a coser meias, era o que se ouvia no trânsito - como simétrico feminino do palhaço, mas parece que o termo caiu um desuso, porquanto a dona-de-casa, principalmente os elementos mais jovens, desataram a chamar palhaço a torto e a direito a qualquer condutor que não lhes faculte rapidamente a pretendida passagem, mesmo que não devida.
Um palhaço para se reproduzir não acasala com um ser da própria espécie e só terá palhacinhos se estes forem do sexo masculino e fracos. Os palhacinhos, enquanto jovens condutores, terão a tentação de abandonar a espécie, mas depois vão ao sítio.

O ser-se palhaço não é inerente ao indivíduo em si, é antes resultado de uma relativização social, ou seja: o elemento mais forte tem a prorrogativa de chamar palhaço ao elemento mais fraco, e um palhaço pode momentaneamente deixar de o ser se encontrar um elemento mais fraco do que ele; assim como o elemento mais forte pode por instantes passar a ser palhaço se aparecer um ainda mais forte.
Mas existem comportamentos desviantes. Alguns palhaços, quando se acham em posição de fuga, retribuem o ápodo e, os mais ágeis, chegam mesmo a usar os dedos, o do meio ao alto, ou o indicador junto à testa. É de referir que esta prática do dedo do meio levantado ao alto, por vezes com os dois que lhe são contíguos encolhidos, e a verbalização, vai pr'ó..., está a ser muito mimetizada pelos elementos femininos da comunidade automobilística.

O palhaço tem espécies que se lhe assemelham: o ceguinho. Estudos existem que levam a crer, mas ainda sem conclusões, que o ceguinho é afinal um palhaço que não vê. O problema do ceguinho não é não ver, é estar convencido de que vê.

Os seguidores de Darwin têm em Portugal os seus Galápagos se quiserem debruçar-se sobre a evolução das espécies automobilísticas e de como os seus comportamentos mais agressivos se perpetuam, desenvolvem e se alteram.
Ao não beba, não acelere, não fale ao telemóvel, etc., deveria juntar-se no breviário das práticas de boa condução o NÃO INSULTE.

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