06 fevereiro 2012

O Homem Que Via Passar Os Comboios, Georges Simenon, Público

Diz-se que um escritor de policiais atingiria o cume da satisfação, e quiçá a perfeição, se pudesse cometer um crime, especialmente o assassinato, para conhecer, perceber, os meandros da psique humana que levam ao acto. E de uma leitura menos atenta deste romance de Simenon poder-se-á ser induzidos que é esse vasculhar do íntimo de um criminoso a que o autor se dedica. N'O Homem Que Via assar Os Comboios,Simenon, traça o percurso anímico de Kees Popinga através de várias transgressões que ele comete, entre as quais o homicídio. Mas, ao contrário de muitas opiniões, este Simenon não é um policial. Talvez de propósito, o romancista faz com que os policias não apareçam, nem sequer pareçam muito interessados em capturar o homicida.
Da sinopse do livro a parte que melhor caracteriza o romance, é: Kees Popinga, empregado de Julius de Coster, o proprietário de uma empresa de abastecimento de navios, leva uma vida respeitável e tranquila, sem grandes sobressaltos nem preocupações. Até que o seu patrão, confrontado com a inevitabilidade da falência financeira, decide fugir, simulando um suicídio. O sucedido opera uma profunda transformação em Popinga, que assume uma ruptura repentina com a sua rotina diária, profissão, mulher e dois filhos.
É a recusa e desobediência a códigos de conduta considerados como os pilares da sociedade, de bom profissional, bom pai de família, bom cidadão, que releva na análise da alma do transgressor. Popinga sente que transgride muito mais ao abandonar estas regras morais do que a cometer um assassinato; Popinga não é criminoso, nem pretendida cometer o homicídio que comete; Popinga afirma que a culpa foi da falecida que o desprezou. O crime é um pormenor, a verdadeira infracção é esconder uma peça de xadrez:
Simenon não busca a alma de um criminoso, mas a de um homem comum, a de todos nós: quantas vezes não tivemos a vontade de pisar o risco (e pisámos) para nos sentirmos donos da nossa vontade?
"O Homem Que Via Passar Os Comboios" é dos livros mais conhecidos de Georges Simenon, mas não dos melhores. A pena ficou-lhe a meio caminho entre o romance "psicológico" e o policial, em que ele, aí sim, era mestre (através da alma do polícia).

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