09 fevereiro 2012

A RAPARIGA DO CHIADO - Parte I

A luz dos candeeiros fazia rebrilhar os trilhos do eléctrico molhados pela chuva que desanuviara de momento, mas que ameaçava regressar a qualquer instante. As pedras da calçada reluziam aqui e acolá, apagavam e acendiam ao ritmo dos néons dos reclamos das lojas. Cinco minutos para as sete da noite; as portas do comércio a começarem a fechar; puxavam-se grades que precaviam de quem não se importasse de apanhar chuva a horas mortas; as entradas de alguns prédios, onde pontificavam escritórios, iam despejando empregados encasacados que davam uma mirada ao céu ou estendiam a mão para saberem se faria falta abrir o guarda-chuva.
Do tablier do carro saia uma música (seria música?) a que Sérgio não prestava grande atenção. Fazia horas para ir à consulta e estava ali no quente da viatura.
Ia observando o movimento agitado das pessoas agitadas que caminhavam apressadas temendo, talvez, nova carga de água. Ou seria, quem sabe, o ritmo de todos os dias, já que perder aquele comboio, ou aquele barco, por cinco minutos, teria como consequência uma hora de atraso a chegar a casa.
Ela descia a rua com pisar seguro, cabeça erguida, sem temer a chuva ou o frio. Levava um daqueles sacos tipo Zara onde as mulheres, que já têm uma mala sobrecarregada, metem não se sabe o quê: a revista cor-de-rosa, ou o livro para lerem no transporte, a malha, as calças do marido que foram para alargar.
O Sérgio fixou-se nela. Era uma rapariga bonita, esguia, cabelo de ouro, casaco castanho cor de mel, comprido, cingido ao corpo e atado com um cinto displicente. Ela parou para atravessar a rua em segurança, aguardou que o boneco do semáforo lhe desse autorização. Mesmo assim, não atreveu um passo sem olhar a um lado e a outro, com um movimento de pescoço digno de bailarina. Era muito bonita.
Do seu observatório, Sérgio não precisava mexer a cabeça, bastava (per)segui-la com o olhar.
Ela pisou o passeio do outro lado da rua, inflectiu em ângulo recto e caminhou na direcção da viatura.
Sérgio endireitou-se no banco. Ela ia passar junto a ele.
Ao aproximar-se, ela,
o movimento suave de bailarina,
olhou para dentro do carro. Os olhos encontraram-se,
um pas de deux,
o Sérgio viu-lhe nas pupilas o reflexo das iluminações de Natal. Os olhos dela apagaram e acenderam.
Apaixonou-se por ela.
Ele cerrou as pálpebras; voltou a erguê-las; já só a apanhou pelo retrovisor, distinguindo-a pela cabeleira loura a dirigir-se ao cacilheiro que a levaria ao Barreiro.
Fantasiou um encontro.

(continua)

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