10 fevereiro 2012

A RAPARIGA DO CHIADO - Parte II

O Sérgio empurrou a porta tecnológica do consultório, todo ele futurista, em cromados e aços cinzentos, pinturas modernas nas paredes; cumprimentou a recepcionista e sentou-se na sala de espera; percorreu desinteressado as revistas disponíveis; pegou na que lhe pareceu mais actual, sobre viagens e terras distantes, cheia de anúncios a objectos de luxo, automóveis, relógios, jóias,
E se eu amanhã eu lhe aparecesse à frente e lhe desse uma jóia, um anel, e desaparecesse sem nada dizer, amar-me-ia ela para sempre?
Pousou a revista e levantou-se passeando junto da recepcionista para manifestar a impaciência e o desagrado da espera. Voltou para o seu lugar incapaz de remediar a situação. Chegou-se à janela e viu a iluminação do casario e da outra banda e luzes que se movimentavam, e viu a rapariga a descer o Chiado.
Vai apanhar um daqueles barcos lá ao fundo. Pensará em mim?

- Pode entrar, a doutora está à sua espera.
É boa, e eu a pensar que eu que tenho estado aqui todo este tempo à espera dela.
Aconchegou-se no seu assento e ficou de frente ligeiramente enviesado para a psicóloga que cruzou as pernas e entrelaçou as mãos à frente do peito, inclinou ligeiramente a cabeça e olhou-o atentamente parecendo deixar fugir um ligeirissimo sorriso.
Era um momento ridículo que ele odiava. Não sabia por onde começar. A doutora dizia-lhe para não trazer a conversa estudada, mas se não a estudasse não tinha nada para dizer.
- A partir de hoje amo uma mulher - disse Sérgio peremptório.
A psicóloga, como deve ser técnica da sua arte, permaneceu em silêncio e apenas fez um movimento de cabeça mais para a frente como se quisesse escutar melhor.
- E vou amá-la para sempre,
e esperou alguma reacção da psicóloga, que reagiu:
- Sempre, é o quê?
- É um amor que não se apaga.
- É alguém das suas relações, ou conheceu-a há pouco tempo?
- Não a conheço, nem nunca a hei-de conhecer. Via-a há bocado. Olhámos um para o outro e eu amei-a. É tudo.
- Sente falta de afecto?
- Tive uma namorada uma vez, que acho que gostou de mim.
- Mas,... dos amigos, dos pais, talvez sinta falta de afecto dos pais…
- Doutora, desculpe a franqueza, mas disse-me para eu me exprimir do modo qe mais me conviesse,
a psicóloga fez um gesto de anuência.
- e fi-lo, mas a doutora não entendeu nada. Eu amo aquela mulher porque ela olhou com o olhar certo. Não há mais nada para dizer.
- Que olhar é esse?
O Sérgio fez um gesto aborrecido. Não perceberia ela que aquilo não se explica, não se consegue dizer o que é. Sente-se. Só se consegue descrever o acessório, mais nada.
- É um amor que nunca lhe provocará desilusão. É essa a segurança que sente?
- É um amor de dois seres humanos que se amaram numa fracção de segundo e a sua vida nunca mais será a mesma por causa disso. É o amor no estado puro, “um amor para sempre”.

FIM

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