11 junho 2012

COSMOPOLIS, Don DeLillo, Relógio d Água

COSMOPOLIS chegou ao cinema, filme produzido por Paulo Branco. Talvez por isso a publicação,agora, do romance de Don DeLillo em Portugal. Publicado em 2003, é tido hoje como uma antevisão da crise económico-financeira que o Mundo atravessa. Não é. Se algumas das situações, acções ou personagens, podem ter alguma justaposição com a actualidade deve-se ao facto de as consequências de um sistema financeiro especulativo desenfreado serem mais previsíveis do que se possa pensar. Eric, corretor de sucesso, fabulosamente rico, acorda um dia com dois objectivos em mente: especular com o iéne e atravessar Nova York, na sua limusina de dez metros com chão em mármore de Carrara, para dar uma aparadela no cabelo. Eric deve o seu êxito à capacidade que tem em descortinar tendências e sinais no comportamento dos mercados que lhe permitem auferir milhões. Nota que o iéne está a atingir o seu nível máximo e investe apostando na queda da moeda japonesa. Teimosamente, ao longo do percurso até ao barbeiro, a moeda japonesa vai batendo máximos sucessivos, e ele vai investindo mais e mais dinheiro, perdendo tudo, a fortuna dele e da mulher, oriunda de família de banqueiros.
Don DeLillo não escreveu sobre a crise actual, escreveu sobre a catástrofe do capitalismo, não sobre o fim do sistema (Isto é o mercado propriamente dito. Estas pessoas são uma fantasia gerada pelo mercado, não existem fora do seu âmbito. Mesmo que queiram recusar o mercado,pôr-se de fora, não têm para onde ir. Não há lado de fora.), mas do modo como consome e devora o que apanha pelo caminho. Em tom de parábola e de antecipação sociológica, debruça-se sobre a sociedade em que tudo tem cotação e é transaccionável em zeptasegyndos, tudo faz parte dos mercados desde que tenha tradução em linhas intermináveis de números a correr em ecrans. Tudo é transaccionável e tem um preço, à excepção dos sentimentos e emoções, pela simples razão de que já não existem. Por isso os personagens de DeLillo estão virados de dentro para fora, embora discorrendo sobre alguns factos humanos, não são intimistas, parecem não ter crises existenciais, são frios e incipientes.
Os acontecimentos de COSMOPOLIS desenrolam-se durante 24 horas e na viagem de carro, talvez com o significado da velocidade temporal que a tecnologia imprimiu aos mercados financeiros; ascensão e queda de um corretor multi-milionário, os mercados o fizeram, os mercados o destruíram; o cheiro a sexo atravessa o livro e as relações sexuais extraconjugais do protagonista acontecem ao longo do dia, talvez porque exista uma relação próxima entre a excitação sexual e a excitação dos mercados.
Sem dúvida, um livro a não perder, escrito por um dos melhores escritores da actualidade.

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